Oficialmente, não existe no Brasil plantio de alimentos geneticamente modificados. Na prática, porém, a situação é outra. Centros de pesquisa já produzem frutas e legumes transgênicos de forma experimental. Os pioneiros foram o melão longa-vida, que tem gene de tomate e dura mais fora da geladeira, e a laranja imune a bactéria. Há outros três produtos em teste na Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), no Distrito Federal: o mamão, o feijão e a batata resistentes a vírus.

A questão dos alimentos alterados pela engenharia genética é delicada. Um dos argumentos em seu favor é que, ao inserir num alimento um gene resistente a determinada praga, reduz-se a aplicação de agrotóxicos. Os ambientalistas alardeiam, com razão, que os transgênicos podem provocar alergias e dar origem a plantas resistentes a remédios, como acontece com os vírus da gripe. Por isso, a necessidade de uma bateria de testes antes da aprovação para consumo.

No mês passado, a Justiça concedeu liminar que suspende o plantio de organismos geneticamente modificados com características de agrotóxicos. A intenção era impedir a plantação de uma modalidade de soja e de milho que carregam genes resistentes a defensivos agrícolas das empresas Monsanto e Novartis.

À luz da ciência, nem todos os produtos alterados são nocivos ao homem. A mudança genética permite criar alimentos com maior poder nutritivo ou com elementos naturais capazes de resistir a doenças. Desde 1999, a Embrapa trabalha na produção de um mamão resistente ao vírus da mancha anelar, transmitido por insetos como a cigarrinha e a mosca branca, que causa necrose em forma de anel no fruto. “Ao contrário das doenças causadas por fungos e bactérias, que são banidas com o uso preventivo de agrotóxicos, quando um vírus ataca a plantação, a única saída é arrancar tudo”, diz o engenheiro agrônomo Francisco Aragão, da Embrapa.

A mesma mosca branca, praga típica da soja, também é a vilã das plantações de feijão. “Basta uma picada para a planta morrer”, diz Aragão, que lidera a pesquisa do feijoeiro-inseticida. Ele traz embutido um gene do vírus e reage como se fosse uma vacina, evitando a multiplicação da doença. Técnica parecida foi aplicada na batata resistente ao vírus do mal conhecido como mosaico da batata, que reduz o tubérculo a 20% do seu tamanho normal. A batata, o mamão e o feijão resistentes a vírus já foram plantados em estufa e aguardam o abrandamento da legislação brasileira para ser testados no campo.

O problema está na invasão silenciosa. “Desde 1996, mais de um bilhão de pessoas consumiram soja transgênica, plantada na China, no Canadá, nos Estados Unidos, na Austrália, na Argentina e no Japão”, explica a geneticista Maria Irene Baggio Fernandes, uma das palestrantes do IV Encontro Latino-Americano de Biotecnologia Vegetal, que acontece entre 4 e 8 de junho em Goiânia. A ameaça está na fronteira: cerca de 80% da soja e 70% do milho produzidos e exportados pela Argentina são transgênicos. Como os produtos não trazem no rótulo a informação de que foram modificados, o consumidor não tem noção do que leva ao estômago. A preocupação de toda novidade científica está justamente nos danos potenciais. Levá-los em conta é a única alternativa para progredir com segurança e responsabilidade.