Quando se folheia qualquer enciclopédia de MPB não se encontra a dupla Dom & Ravel. Mas o mesmo não ocorre quando se pesquisa na internet, onde os dois figuram em centenas de sites nos quais são invariavelmente tachados de vendidos, verdadeiros traidores de direita. Tal fama veio do sucesso de músicas como Eu te amo meu Brasil, Você também é responsável e Obrigado, homem do campo, usadas na virada dos anos 70, em pleno auge da ditadura, pelos governos militares. Eu te amo meu Brasil foi cogitada para se tornar o novo hino nacional. Quem lembra a temeridade é o próprio Eduardo Gomes de Farias, o Ravel – apelido ganho de um professor de música por causa da sua aptidão para a arte –, hoje com 54 anos e a visão prejudicada por um acidente. Ainda abalado pela morte de Dom, nome artístico de seu irmão Eustáquio – vítima de um câncer no estômago, em dezembro passado –, o músico mostra recortes de revistas em que o então governador de São Paulo, Roberto de Abreu Sodré, sugere ao ex-presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, que a citada canção fosse transformada em hino nacional. Médici nada respondeu. Mas a notícia pipocou na imprensa e os artistas começaram a ser apontados como arautos da ditadura.

Ravel afirma que a música foi composta só para aproveitar a onda do tricampeonato da seleção de futebol. “Mas nossos sobrenomes Gomes de Farias ajudaram a aumentar a confusão”, conta Ravel, lembrando a associação que as pessoas faziam com o brigadeiro Eduardo Gomes e o general Cordeiro de Farias. Também falavam que os dois eram filhos de militares. Na verdade, o pai deles era um pequeno comerciante paraibano e a mãe, uma dona-de-casa cearense, que chegaram a São Paulo nos anos 50 carregando a dupla de irmãos e a caçula Eva. Nascidos em Itaiçaba, Ceará, eles cresceram na periferia paulistana. Já como Dom & Ravel, em 1969 lançaram o primeiro LP, Terra boa, trazendo Você também é responsável, transformada pelo ex-ministro da Educação, Jarbas Passarinho, em hino do Mobral, o Movimento Brasileiro de Alfabetização. “Dois anos depois, o que prova que ela não foi feita sob encomenda”, frisa Ravel.

É evidente, contudo, que pelo caráter ufanista das canções o regime passou a se servir do sucesso da dupla. “Éramos visitados por militares armados, que nos davam passagens aéreas e as indicações dos locais onde devíamos nos apresentar. Não havia cachê, nem a remota possibilidade de dizer não”, determina Ravel. A roda-viva persistiu até 1973, quando Dom & Ravel gravaram Animais irracionais, falando de injustiça social. A direita não gostou e os dois viveram o outro lado da moeda. O disco e a música foram banidos das rádios. “Ficamos desacreditados, tivemos nossas casas invadidas, fomos agredidos, currados”, rememora Ravel. Atualmente, ele mora no bairro da Cantareira, em São Paulo, com a mulher Rejane, 50 anos, e a filha Priscilla, 26, numa casa pertencente a irmã Eva. Acaba de lançar o CD Deus é o juiz, em homenagem ao irmão, com sucessos da dupla. Eu te amo meu Brasil não entrou na seleção.