Fiz assinatura de tevê a cabo em 1994, logo que minha rua foi cabeada em São Paulo. A ideia era escapar da programação aberta, dos abusivos intervalos publicitários, de filmes medíocres, novelas e programas de auditório. Durante quase uma década o número de assinantes das duas grandes redes (TVA e NET) permaneceu estacionado em três milhões, indicando o tamanho da população disposta a pagar por um entretenimento melhor, um número mais expressivo que o da diminuta quantidade de livrarias no Brasil.

Desde então acompanho o crescimento desse mercado pensando em desenvolver um indicador socioeconômico da evolução dos hábitos culturais: o Índice Nacional de Suportabilidade à Televisão (INST). Pena que ninguém me leve a sério.

Entre 2006 e 2013 houve um salto impressionante no setor, reflexo da melhoria da distribuição de renda.
O número de assinantes da tevê paga (incluindo aí a maioria que recebe os serviços por satélite) avançou 17% por ano, mais do que o PIB da China. No mesmo período, o PIB brasileiro cresceu na média anual de 3,6%.

Mesmo com o crescimento esquálido dos últimos anos, entre maio de 2013 e maio de 2014, a base de clientes da tevê paga expandiu-se 10,8%, informa a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura. Atualmente, o setor congrega 20 milhões de assinantes. Imagino que essa é uma espécie de elite do País.

Mas se alguém acha que a expansão ocorre no topo da pirâmide social, engana-se. O tédio com a tevê é democrático e ataca todos os segmentos. Entre 2011 e 2013 o setor evoluiu de 78% para 87% na classe A, de 51% para 65% na classe B e de 24% para 35% na classe C.

Ao mesmo tempo, a oferta de canais por assinatura em high-definition aumentou oito vezes em 2010.
Hoje há 64 opções. O conjunto de canais fechados é a segunda maior audiência do País, segundo o Ibope.
O INST vai precisar incorporar a taxa de ocupação no setor. No primeiro trimestre de 2014, essa força de trabalho cresceu 12,5%, ultrapassando 109 mil profissionais. Os empregos aumentaram 58% desde 2008, enquanto no setor automotivo cresceram 2%.

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Parte da expansão acelerada da tevê a cabo deve ser creditada também à Lei 12.485 de 2011, que estabeleceu o marco regulatório do setor e criou a obrigatoriedade da veiculação diária de 3h30 de conteúdo nacional na programação. A lei ampliou muito o mercado para a produção nacional.

Antes que os apologistas da desregulação chiem, contrários à qualquer intervenção na economia, é bom lembrar que políticas de veiculação de conteúdos audiovisuais nacionais existem há décadas nos países mais livres e desenvolvidos, como Reino Unido, Alemanha, França, Canadá, Japão e Espanha (talvez por isso sejam mais livres e desenvolvidos). Na Europa, onde os valores da identidade, da língua e da cultura importam, a conversa é outra: a programação local deve ser superior a 50%.

Portanto, antes de assistir a mais um filme de zumbis e vampiros, como “Anjos da Noite”, atualmente na 300ª reprise na HBO ou no Telecine, lembre-se de que basta um zap para ver o Canal Brasil, a ESPN, a Globo News, o canal Curta, o Film&Arts, o Eurochannel, o Arte 1 e o “Programa da Palmirinha”. Se não quiser, tudo bem. “Sex and the City” e “Conan” certamente estarão passando.

Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta 


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