Paulo Leminski dizia que quando tivesse 70 anos acabaria a sua adolescência. O poeta curitibano, portanto, deixaria de ser adolescente no dia 24 deste mês. Entraria na vida adulta com um feito que vale como um rito de passagem: colocar a poesia no topo dos livros mais vendidos no Brasil.

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Um ano depois de ter batido nada menos que o “50 Tons de Cinza”, “Toda Poesia” – reunião de mais de 600 poemas seus – volta às vitrines das livrarias num momento em que as filhas resolvem mostrar ao mundo o que empoeirou em gavetas desde
a morte do nosso mais irreverente criador de haikais, em 1989.

Estrela Leminski lança agora “Leminskanções”, CD com oito composições inéditas de seu pai. Compositor, romancista e tradutor, Leminski foi interpretado por Caetano Veloso, Moraes Moreira e Zizi Possi, mas deixou uma grande quantidade de canções engavetada em fitas cassete. “Daria para fazer um disco só de inéditas”, conta a filha. Desse espólio do poeta que amava punk rock, as provas anotadas do livro “Catatau”, um de seus mais importantes, e dezenas de desenhos e manuscritos compõem a parte preciosa da exposição “Múltiplo Leminski”, que será inaugurada em outubro – primeiro em Salvador e depois em São Paulo e no Rio de Janeiro. Organizada pela irmã de Estrela, Áurea Leminski, a mostra permitirá ao público acesso à biblioteca do autor, com uma prateleira só de dicionários, uma de suas obsessões. Guardanapos em caixas de acrílico exibem as sementes de textos que virariam poemas, canções ou livros inteiros. “É algo que possibilita uma imersão na obra dele”, explica Estrela. 

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Mas há uma camada do legado de Leminski que a família preferiu deixar fora das comemorações: sua vida pessoal. Duas biografias recentes perderam a bênção dos herdeiros – ­sendo que uma delas, a melhor, precisou sair de circulação. “O Bandido Que Sabia Latim”, de Toninho Vaz, está embargada agora, quando chegaria à quarta edição. Segundo o autor, o motivo é um trecho de oito linhas sobre o suicídio do irmão de Leminski, Pedro, incluída na reedição de 2013.

“A Alice Ruiz (viúva de Leminski) disse que nessa nova revisão eu estava acrescentando um trecho sórdido.” O livro foi censurado. “Agora eu entrei com um processo por perdas e danos contra a família”, diz Vaz, que aguarda o desenlace antes de oferecer o livro a uma nova editora. O biógrafo acredita que a obra deve ser liberada ainda neste ano. “Conheci o Paulo muito bem. Ele, um libertário, não merece isso”, diz ele, reclamando do embargo. Procurada pela reportagem, a viúva de Leminski não quis se pronunciar.

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Outra biografia polêmica, esta em circulação, é “Minhas Lembranças de Leminski”, de Domingos Pellegrini. O livro, que também sairia pela Nossa Cultura, graças às críticas da família, foi cancelado. Acabou saindo este ano pela Geração Editorial. “Mandei o material para a Alice e ela me respondeu com duas ressalvas. Uma é que eu insistia em narrar as bebedeiras. Tinha três coisas que ele fazia o tempo todo: escrever, ler e beber. Não podia omitir isso. A outra era a referência à vida pobre. Não acho isso um demérito”, conta.

Outro projeto biográfico que (ainda) tem o apoio da família Leminski é o filme “Alice e Paulo”, sobre a vida do casal curitibano, que se conheceu em 1968. “Na verdade é um retrato de toda aquela geração através da história deles, vai ser algo mais amplo que uma cinebiografia”, diz a filha. Resta torcer para o diretor Rogério Veloso não precisar deixar de fora a baderna febril e libertária que cercou a vida do poeta mais irreverente do concretismo. Vida encerrada aos 44 anos, no auge de uma adolescência que, para o bem da poesia, nunca chegou ao fim.

Fotos: Sal Marinho; Chris von Ameln/Folhapress