jairo goldflus

Drogas não A cantora diz que a rotina das internações estava “ficando pra lá de Salvador Dali”

Dezembro de 1947: nasce Rita Lee Jones, caçula de três filhas. A comoção de seu pai, Charles, foi tão grande que lhe motivou uma mudança radical de comportamento. Alcoólatra, ele promete que daquele dia em diante nunca mais colocaria uma gota de álcool na boca. Charles, que morreu em 1982, cumpriu a sua promessa à risca.

Maio de 2007: Rita fala sobre o uso de drogas e dos fatores que a levaram a abandoná-las. Diz que tem “controle total” da situação e admite que encontrou na família um bom suporte para a abstinência: “Agora eu tenho uma neta.” Ela repetia o gesto de seu pai 60 anos depois.

O depoimento é um dos muitos momentos emocionantes registrados em Biograffiti, caixa com três DVDs que a gravadora Biscoito Fino está lançando com a retrospectiva da vida e da carreira de Rita Lee. A opção por se manter longe das drogas é assumida com naturalidade e ela não tem o menor receio de ser vista como avó careta. “Se caretice significar ser uma mistura de Vovó Donalda com Dercy Gonçalves, então diga ao povo que fico”, disse ela a ISTOÉ. Os tempos de doideira total e as crises que se repetiam (com algumas internações) não lhe deixaram a menor saudade: “Aquele negócio de assistir ao mesmo filme já estava ficando pra lá de Salvador Dalí e as cinzas de meu pai já foram atiradas ao mar há muito tempo.”

Os DVDs são temáticos (Ovelha negra, Baila comigo e Cor de rosa choque) e neles constam entrevistas de Rita Lee ao diretor Roberto de Oliveira – tudo intercalado com cenas de seus shows. Logo no início, as câmeras seguem a artista em um roteiro sentimental por São Paulo. Ela revê o antigo Teatro Paramount, no qual participou de festivais, e o Liceu Pasteur, onde foi considerada persona non grata por conta de brincadeirinhas – como a de botar fogo no auditório e urinar nos sapatos das colegas. Num dos extras, há o registro do momento encantador em que Rita se traveste de homem (o personagem Aníbal, criado por ela) para entrar no antigo colégio sem ser reconhecida. Ela revê também a sala em que estudou e mata a vontade de fazer algo que sempre lhe foi proibido: entrar no banheiro masculino.“Ai, que saudade”, diz ela, numa contradição em relação ao trecho em que diz só ter “saudade do futuro”. A volta ao passado, no entanto, não é completa. O DVD não mostra a frustrada tentativa de Rita de visitar a casa onde nasceu e que não existe mais– no local há um prédio que hoje pertence aos padres marianos. Nos depoimentos, ela critica o crescimento desordenado de São Paulo e elogia o Rio de Janeiro, que chama de síntese do Brasil. O cardápio musical reúne momentos raros, cenas em que ela aparece ao lado de João Gilberto e de Elis Regina e nas bandas Tutti Fruti e Os Mutantes. É a deixa para Rita Lee falar sobre a sua saída do grupo quando seus companheiros optaram por fazer um som progressivo e a excluíram. Ainda magoada? “Acredito que a mágoa maior é da parte deles, por eu ter conseguido tocar meu barquinho musical sem precisar dos seus preciosos virtuosismos. Não há a menor possibilidade de uma reaproximação”, diz ela. E ironiza: “Se o dinheiro for ótimo, posso mudar de idéia.” Em cada um dos DVDs a roqueira apresenta uma composição inédita: Eu sou do tempo, Dinheiro e Tão – o novo CD com essas canções vai sair no final do ano, quando ela se tornará uma sessentona.

Momento de revisão da carreira. Terá Rita Lee deixado de ser a grande contestadora para se transformar em instituição nacional? Tornou-se ela com o passar do tempo uma unanimidade nacional? “Não pretendo ser a queridinha da “burregentsia”. Me sinto mais um Mickey Mouse passando de geração em geração”, diz ela. Rita Lee reconhece que os elogios são bem-vindos, mas conta que toma seus cuidados para não se deixar enganar: “Vez ou outra meu ego gosta de inflar com homenagens, mas como boa capricorniana tenho os pés no chão que não me deixam ficar deslumbrada.” A caixa de DVDs é um tributo à altura de sua carreira e neles Rita abre a alma, a sua casa, a família e seu passado – mostra-se inteira ao público. Numa das cenas mais tocantes, ela comenta: “Hoje eu vou sonhar… e pelos próximos anos. Vou sonhar tudo de novo.” Por favor, dream it again, Rita.