Na tarde fria e cinzenta do domingo 28, em Lima, um sorriso despontava na multidão: o presidente do Peru, Alberto Fujimori, ao deixar o carro oficial para votar numa escola da capital peruana. O mandatário tinha motivos para estar com o semblante da vitória. Ele não tinha como perder, já que simplesmente não havia adversário. O oposicionista Alejandro de Toledo, da coalizão Peru Possível, desistira do pleito dias antes exigindo o adiamento das eleições. E não deu outra. Pela terceira vez, Fujimori levou, agora com 51,2% dos votos, contra apenas 17,7% de Toledo. Num claro sinal de desaprovação ao processo eleitoral, nada menos que 30% dos eleitores peruanos preferiram anular o voto e pagar a cara multa de US$ 33 por não comparecer às urnas. “Isso aqui é uma farsa. Não dá para ter eleição com um candidato só”, disse a eleitora Hilda DaCotera. Indiferente aos protestos, o vitorioso mandatário entoava seu jingle de campanha eleitoral A dança do chinês. Mas o clima não estava para festa, muito menos para danças, já que pipocavam protestos políticos no país. Durante dias, Lima ficou em chamas com coquetéis Molotov e bombas de gás lacrimogêneo eram lançadas contra os milhares de manifestantes nas ruas que carregavam cartazes com acusações de corrupção e fraude contra El Chino – apelido pelo qual é conhecido o único presidente peruano descendente de japoneses. Em todo país, violentos confrontos foram registrados: mais de 400 pessoas foram presas e 250 ficaram feridas. Na véspera da votação, 80 mil pessoas foram à Praça de San Martí, na capital peruana, exigir o adiamento do segundo turno.

Certo de que o esquema fraudulento verificado no primeiro turno se repetiria, Toledo retirou-se da corrida exigindo que o pleito fosse adiado para o dia 18 de junho. “Passei a chamá-lo de ditador”, disse o ex-candidato. Como o adiamento foi se tornando inviável, a tática do oposicionista foi convocar os peruanos ao boicote das eleições. Antes da desistência de Toledo, as pesquisas eleitorais indicavam empate técnico entre Fujimori e o candidato oposicionista. Os observadores internacionais já haviam denunciado dezenas de irregularidades no primeiro turno, inclusive cédulas que já estavam preenchidas com o nome de Fujimori – o chamado “voto de mula”. Depois de várias tentativas fracassadas de se adiar o segundo turno, os monitores da missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) abandonaram o processo eleitoral. Eles tentaram até o último momento negociar com o governo peruano um tempo maior para validar o sistema de votação, sem sucesso.

A União Européia condenou as irregularidades eleitorais. Os EUA, tradicionais aliados de Fujimori, se meteram numa situação melindrosa. Antes que outros países se pronunciassem, Washington saiu à frente condenando a farsa eleitoral. “Não achamos essa eleição válida”, disparou um membro do Departamento de Estado. Depois, o governo americano recuou, dizendo que houve um engano e que essa declaração não refletia exatamente a opinião dos EUA. Já a OEA estuda um relatório apresentado pelo chefe da missão de observadores no Peru, Eduardo Stein, que poderia resultar na adoção da resolução 1.080, aplicada aos países-membros que “interrompem irregularmente ou abruptamente o processo democrático”. Os EUA ainda podem lançar mão da resolução 43, que dá poderes de impor sanções econômicas contra o governo peruano. Seria um golpe mortal em Fujimori. A frágil economia do Peru depende de um volume muito grande de investimentos estrangeiros. Só neste ano, o país recebeu US$ 220 milhões de empréstimos do BID e do Banco Mundial, mais US$ 175 milhões do governo do Japão – um dos grandes investidores no Peru. Mesmo assim, o país fechou 1999 com um déficit em conta corrente de 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB).

Foto: AFP
Toledo desistiu da candidatura

Eleito pela primeira vez em 1990, o engenheiro Alberto Fujimori era até então um outsider da política. Dois anos depois, com o apoio das Forças Armadas e alegando ingovernabilidade, o presidente desfechou um “autogolpe” fechando o Congresso e intervindo no Judiciário. Com poderes discricionários, El Chino esmagou o terrorismo do Sendero Luminoso e conseguiu domar o dragão da hiperinflação, caindo nas graças dos setores mais empobrecidos da população. Mas a política econômica neoliberal de Fujimori só fez aumentar o desemprego e o subemprego, que atingem cerca de 60% dos peruanos. Dominado por políticos fujimoristas, o Congresso aprovou uma Constituição que, entre outras coisas, permitia uma reeleição do presidente. Montado nas vitórias contra o terrorismo e a inflação, Fujimori reelegeu-se facilmente em 1995. No ano passado, o governo conseguiu que a Justiça interpretasse a Carta de maneira a permitir que o presidente disputasse uma segunda reeleição. Por trás da fachada democrática, El Chino construiu um verdadeiro Leviatã através do aparato repressivo representado pelo Serviço de Inteligência Nacional (SIN) controlado pelo ex-capitão Vladimiro Montesinos, eminência parda do regime.

Através do SIN, o governo vem intimidando opositores e tentando cercear a liberdade de imprensa. Vários jornalistas foram perseguidos. Na quinta-feira 1º, o repórter Fabián Salazar Olivares, que foi torturado por agentes do governo, fugiu para os EUA por temer represálias depois que ele denunciou ligações entre juízes eleitorais, empresários da mídia, diretores de empresas de pesquisas e agentes do SIN. O governo nada fez para apurar as denúncias. O imperador, impávido, apenas sorri.