A cena foi patética. Alguns poucos assessores cobriam a cabeça do governador Mário Covas (PSDB) com as mãos enquanto pedras, pedaços de pau, terra, tinta e até cadeiras voavam em sua direção. Foi quase uma hora de empurra-empurra, xingamentos, correria. Ao final, Covas exibia como troféu um galo e um ferimento no canto direito da boca antes de entrar no carro oficial. O palco da vergonhosa briga foi a praça da República, no centro de São Paulo, onde cerca de 100 professores da rede pública estão acampados em frente à Secretaria de Educação do Estado desde o dia 12 de maio. Na última quinta-feira, o governador chegou de surpresa no gabinete da secretária Rose Neubauer para, segundo a versão de sua assessoria, apenas despachar. Ao tentar entrar no prédio pela porta da frente, interditada desde o primeiro dia do acampamento, provocou a ira dos professores: para abrir passagem, seus assessores retiravam as faixas de protestos e derrubavam as barracas improvisadas. Os mesmos manifestantes que atiraram cocos na PM durante o conflito do dia 18 na avenida Paulista, desta vez, armaram-se de limões e laranjas. Na saída do prédio, 15 minutos depois, mais tumulto. O governador encontrou o portão bloqueado e, sem pestanejar, policiais militares derrubaram a grade de ferro. Pela segunda vez, Covas teve de enfrentar uma chuva de objetos. “Nada nem ninguém vai me impedir de entrar e sair de uma Secretaria de Estado pela porta da frente”, disse, demonstrando sua eterna disposição para enfrentamentos desse tipo.

O episódio ganhou repercussão nacional, a ponto de o ministro da Justiça, José Gregori, ameaçar utilizar a Polícia Federal para combater o que ele chamou de “excessos neofascistas”. Até a pré-candidata petista à Prefeitura da capital, Marta Suplicy, condenou a atitude dos professores. “O governo Covas não é capaz de dialogar. Mas sou contrária a qualquer tipo de agressão física.” O secretário de Comunicação do Estado, Oswaldo Martins, foi mais enfático: “O dia em que o governador for impedido de andar na rua e entrar em prédio público não será mais governador.”

Ao que tudo indica, Covas tentou criar um fato político. E conseguiu. Ele dispensou a ação da Tropa de Choque para entrar no prédio. Mesmo tendo chegado ao acampamento duas horas antes, a PM não interferiu no conflito e fez com que o governador se tornasse um alvo fácil. Além disso, o portão principal, pelo qual a comitiva insistiu tanto em passar, não vinha sendo utilizado desde que os professores se instalaram na praça. Há uma entrada pelos fundos por onde passa, inclusive, a secretária Rose Neubauer. E mais: o tempo gasto com o despacho se limitou a menos de 15 minutos. “Claro que ele preparou tudo isso para se fazer de vítima. Agora vai usar isso como arma para não negociar”, ataca Paulo César Pinheiro, secretário-geral da Apeoesp, o sindicato dos professores no Estado.

Se quis chamar os professores para a briga, Covas encontrou um terreno fértil. Em greve por reajuste salarial de 54,7% desde o dia 2 de maio, os professores lideram hoje o ranking dos descontentes com o Estado. Uma situação que serve de combustível para o surgimento de um grupo de radicais, dispostos a qualquer tipo de excesso, que vai de punks a integrantes da própria Apeoesp. Para Pinheiro, a atitude do governador na praça da República colocou em risco a vida de seus próprios assessores. O secretário-geral admite sim a existência de uma facção extremista dentro da entidade. Mas prefere não culpá-la pelo conflito, apesar de o grupo ter sido o primeiro a agredir o governador. O fato é que a ala radical é atuante e vem se destacando a cada novo protesto da categoria.
Na quarta-feira 31, durante a passeata pacífica de professores, servidores públicos e funcionários do Banespa, na avenida Paulista, pelo menos 200 manifestantes com esse perfil mostraram que sabem fazer barulho. Quando a maioria decidiu seguir em direção à Assembléia Legislativa, o grupo teimou em ir para a praça da República, o que deu início à confusão. Até a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha, foi vítima da discórdia: levou uma ovada de um colega. O tumulto entre os professores foi o único naquele dia. A Tropa de Choque, perto da última demonstração de violência na Paulista, que deixou 38 feridos, estava irreconhecível tamanha a paciência com os manifestantes. Eles chegaram a ocupar por alguns minutos as duas vias da avenida sem que houvesse reação violenta por parte dos policiais.

Nessa ocasião, o governador foi mais prudente e não se machucou. Assistiu à manifestação de camarote, num helicóptero. Poupou a fúria de seu sangue espanhol para o dia seguinte.