O Ministério da Educação deve lançar até o final do ano o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores para tentar combater o problema de alunos de até quinta e sexta séries da escola pública que não sabem ler nem escrever. O ministro Paulo Renato Souza decidiu tornar prioritário o programa, depois da repercussão da reportagem de ISTOÉ, publicada na edição de 10 de maio, que exibiu rabiscos ininteligíveis feitos por estudantes de escolas públicas da periferia de São Paulo, quando tentavam reproduzir um ditado sugerido por uma professora de Português. Com a adoção do sistema de progressão continuada (que elimina a repetência) em grande parte do País, alunos com essas dificuldades também passaram a ser aprovados automaticamente. Assim, a escola pública brasileira começou a produzir analfabetos com diploma. Agora, o Ministério quer envolver as universidades públicas e privadas nesse programa de formação de alfabetização. “O objetivo é combater o analfabetismo nas quarta e quinta séries, além dos altos índices de evasão, repetência e defasagem idade/série”, explica Walter Takemoto, diretor do Departamento de Políticas do Ensino Fundamental do Ministério da Educação.

Atualmente, 30% dos estudantes de primeira a quarta séries que repetem de ano sistematicamente – em regiões onde não existe a aprovação automática – são alunos que não sabem ler nem escrever. Em algumas áreas do interior da Bahia, esse índice chegou a 45% em cada sala de aula. A constatação desses números foi feita por educadores ligados ao projeto Acelera Brasil, do Instituto Ayrton Senna e do BNDES, que oferece cursos de “aceleração” para 52 mil alunos repetentes em 258 municípios brasileiros. A diferença desse método é o resultado: os alunos aprendem e recuperam o tempo perdido, segundo Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna. “Oitenta e quatro por cento dos estudantes saltam das primeiras séries para a quarta ou quinta. E essa avaliação é ‘auditada’ externamente pela Fundação Carlos Chagas.” Na rede normal de ensino, a dificuldade hoje é saber se o professor está preparado para conseguir bons resultados junto a seus alunos. “Se estiver, ele vai conseguir. A gente sabe que isso é possível, mas não é fácil. Exige um preparo profissional, que infelizmente não está disponível aos professores”, observa a especialista Telma Weisz, doutora em Psicologia da Aprendizagem e consultora do Ministério da Educação.

Foto: Ricardo Giraldez
No programa de Viviane, 45% de alunos baianos não sabiam ler

Resultados – Em áreas pobres do País, a situação é desoladora. Técnicos do Ministério da Educação dizem que, em certas regiões, já se chegou a detectar um índice de 75% de alunos matriculados na quarta série que não lêem nem escrevem. Exames feitos no ano passado pelo Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), do MEC, mostraram que apenas 10% dos alunos da quarta série aprendem Matemática satisfatoriamente. Os ensinamentos de Língua Portuguesa surtem efeito somente para 42% dos estudantes da rede pública. E esses critérios sobre o que seria “ensino satisfatório”, afinal, podem variar bastante. Com a progressão continuada, a situação se agrava. “Agora, as salas de aula continuam divididas entre ‘os alunos que vão’ e ‘os que não vão’, com uma pequena diferença: todos passam de ano, mas só alguns vão aprender”, reconhece Telma Weisz, ressalvando, porém, ser favorável à progressão. “Os índices de reprovação ao final da primeira série sempre giraram em torno de 50%. Na aprovação por ciclos, conseguiram-se resultados melhores. O público leigo precisa saber que o que existia antes é tão ruim ou pior.”
Professora primária no município de Cafarnaum, no norte da Bahia, Maria Conceição Ribeiro dos Santos, 32 anos, conta que nenhum de seus alunos matriculados na segunda série sabe ler e escrever corretamente. “Esse problema se repete na terceira e quarta séries e, inclusive, no ensino médio, onde alunos escrevem Estado com i. Entre os alunos de segundo grau daqui, é só pedir a qualquer um deles para escrever um bilhete que mais de 60% das palavras vão aparecer erradas”, assegura.

A escola de Maria, que pertence à rede municipal, é chamada de Deus é Amor e funciona num pequeno salão, a cerca de 15 quilômetros do centro da cidade. Ela ensina 30 alunos de primeira e segunda séries na mesma sala de aula. A classe só tem 25 bancos escolares. Para chegar à escola, a professora, que ganha R$ 250 por mês, viaja de ônibus e depois percorre a pé um trecho de difícil acesso, com muita lama. Como não conta com alguém que possa cuidar da filha Janaíne, de oito meses, Maria leva-a todos os dias para a escola. Enquanto escreve na lousa, segura a menina no colo.

Números para o FMI – “Esse é o Brasil que o pessoal do Congresso não conhece nem quer conhecer”, critica. “O governo hoje tem a preocupação de passar os alunos a qualquer custo para tentar mostrar ao FMI que não há mais analfabetos no Brasil.” Reclamações assim repetem-se em todo o País. Por isso, professores da zona sul de São Paulo, juntamente com pais e alunos, foram às ruas pedir mais investimentos na escola pública. Se o governo, enfim, reconhece a precariedade do ensino e até repete o mesmo discurso dos educadores, espera-se que possa surgir uma luz no fim do túnel. Por enquanto, a ajuda a alguns dos alunos que não sabem ler nem escrever tem vindo de terceiros. Dois professores universitários se dispuseram a alfabetizar quatro irmãos órfãos mostrados na reportagem de ISTOÉ. Sem pai nem mãe, os meninos foram adotados por uma vizinha. Uma psicóloga também se ofereceu para pagar o aluguel do quarto-e-cozinha onde eles moram.