No começo dos anos 90 fez sucesso em Londres um adesivo para carros no qual se lia: “Salve a Floresta Amazônica: mate um brasileiro.” Uma década depois da diabrura de mau gosto, os ingleses mudaram o rumo de seus desejos. Agora, a Inglaterra de Tony Blair copia os trejeitos e abraça os brazucas. Principalmente se a figura em questão tiver as medidas mais do que certinhas (99-66-96) da über model Gisele Bündchen. Ela está em todas as partes. Na capa da revista Time Out – verdadeira bíblia do show business, com todas as indicações do que acontece na cidade –; nas fotos colocadas em estações de metrô; ou nas edições de todas as revistas de moda que se prezam. Mas não se trata de uma estrela solitária. O Brasil todo virou moda. Gisele é apenas o mais chamativo destaque desta espécie de Escola de Samba Brasil, que conta com várias alas de exuberante talento e prepara seus ensaios finais para sair no imenso carnaval que é o verão londrino. De junho a agosto, música, cinema, artes plásticas, dança, moda e outras atividades made in Brazil vão compor um feérico calendário de eventos comemorativos dos 500 anos do Descobrimento. É o maior festival patriótico fora das terras achadas por Cabral.

A Inglaterra tem mostrado que gostaria de ter mais assunto nas mãos para mexer nas coisas brasileiras. Pegue-se Gisele Bündchen como exemplo na capa da Time Out, edição de 10 a 17 de maio, aparecendo envolta num maiô dourado que a transforma numa jóia rara, apesar do bronzeado excessivo que lhe conferiram por meio de efeitos. Quem anda pelas ruas de Londres, no entanto, vê que a onda é maior. Os garotos que vestem as camisas da Seleção já não o fazem somente por causa de Ronaldo, Romário & Cia. “Gosto da camisa do Brasil porque todo mundo vem falar comigo”, diz o suíço Guy DePérderray, 16 anos, que trafegava à vontade com a amarelinha pelas ruas da City, a área financeira da capital inglesa. Ou seja, a camiseta virou motivo de papo e alavanca de paquera.

Em meio ao boom comportamental, contudo, também acontece a ratificação da cultura brasileira, principalmente através da música, nossa maior embaixatriz. O festival Brasil 500 – que terá João Gilberto, Hermeto Pascoal, Margareth Meneses, Gilberto Gil, Lenine, Chico César e muitos outros – é parcialmente patrocinado pelo governo brasileiro e pelas iniciativas privadas. Além da música, haverá desfiles de moda, exposições de fotos e artes plásticas, leituras de obras literárias e mostras de cinema que devem dar à Grã-Bretanha um belo mosaico do País. Este megaevento é apenas a consagração de uma tendência que cresce há anos e foi trabalhada por expatriados e nativos. No momento, há uma legião de brasileiros com disposição para que o carnaval não acabe.

Um bom exemplo é a Brazil School of Samba, uma energética agremiação que literalmente ensina samba aos gringos. Sua formação com cerca de 200 pessoas é uma verdadeira Babel. Tem neozelandeses mostrando que são bons de trejeitos, japoneses na bateria e uma ala das baianas composta por inglesas de incontestável jogo de cintura, como prova Georgina Davidson. A escola tem 16 anos e foi montada por nativos apaixonados pela cultura brasileira. Seu desfile principal acontece durante o famoso carnaval de Notting Hill, um dos bairros mais descolados de Londres. Fora do “Carnaval”, o grupo faz uma média de 24 shows por ano.

Peregrino – Com esse festival, na verdade, está se lançando uma pedra fundamental que pode ser aproveitada para o alicerce de algo mais sólido. Pelo menos é o que acredita o DJ inglês Cliffy, nome Michael Clifford, um dos operários nesta construção e patrono da elevação da MPB à condição icônica de cool. Há dez anos ele é o comandante-fundador das maratonas Batmacumba no badalado Institute of Contemporary Arts (ICA), onde uma vez por semana música e filmes brasileiros integram uma das noites mais concorridas da cena londrina. Cliffy já morou no Brasil, cujo território percorreu de Sul a Norte. Vai religiosamente a cada seis semanas para São Paulo e, como um peregrino em busca de redenção espiritual, percorre sebos, comprando velhos LPs da MPB.

Os esforços de Cliffy vêm dando bons resultados e já o estabeleceram como autoridade em Brasil perante os ingleses. Tanto que ele promete juntar dez mil pessoas no festival de MPB que está montando ao ar livre, em Oxford Tower, em 9 de julho. “O Brasil tem uma imagem cult, os ingleses gostam do país, mas há muita ignorância. Parte do meu trabalho é mostrar algo que seja diferente daquela imagem de violência do Rio”, conta o DJ. “Existe agora uma onda forte de interesse pelas coisas brasileiras, mas ela pode se perder. O governo do Brasil deveria estimular essa tendência de forma sistemática para que ela não se perca”, receita. Pensamento semelhante tem o promotor e agitador cultural paulistano Eduardo Jordan, que desde 1996 mora na terra da rainha e tem uma agência de relações públicas considerada um oráculo da brazilian fashion. “O importante é dar continuidade ao trabalho que já fazemos normalmente”, diz.

Jordan vem fazendo a cabeça dos jornalistas de moda e arte do Reino Unido e da França para o brilho do talento e design de seus compatriotas, incluindo investidas no caminho inverso. “Eu mando daqui consultores para adaptar aos padrões ingleses os conceitos dos designers brasileiros com interesses no mercado daqui. Acho que nós brasileiros chegamos finalmente a uma era de maior profissionalização”, acredita o style guru, que tem como patrícia a artista plástica carioca Kim Poor, outra divulgadora dos trópicos através de seu trabalho. “O Brasil é inevitável. Aqui, a busca por novidades é muito grande.” Ela sabe o que fala. Está em Londres desde 1981, para onde se transferiu depois de breve romance seguido de casamento com Steve Hackett, ex-guitarrista da superbanda Genesis. Seus quadros são capazes de arrancar seguidos elogios de Edward Lucie-Smith, reconhecido como um dos maiores críticos de arte da Inglaterra. A técnica de Kim mescla vidro fundido sobre aço com pigmentos naturais aplicados. Versam sobre temas da Amazônia. Salvador Dalí batizou o estilo de “diafanismo”, após dar algumas bengaladas numa das telas para tentar compreender sua composição.
Atualmente, os brasileiros podem estar jogando ovos nos ministros do governo Fernando Henrique, mas na Inglaterra e em outros países a percepção é a de que o País vive tempos melhores. “Acho que isso tem um paralelo com o que houve aqui durante o governo de Margaret Thatcher. Os ingleses odiavam a política da primeira-ministra, mas a percepção internacional era a de que ela salvou o Reino Unido”, analisa Kim. “Às vezes é preciso sair do Brasil para captar suas nuances.” Processo similar aconteceu com a fotógrafa paulistana Letícia Valverde, que chegou em Londres aos 19 anos para fazer um curso de Belas Artes. Descobriu sua vocação de fotógrafa e, inspirada por uma menina de rua que havia conhecido em São Paulo, fez um trabalho intitulado Meninas de rua do Brasil – imagem das esquecidas. O resultado ainda encanta os ingleses e, em 1999, lhe deu o prêmio The Sunday Times, conferido pelo jornal, considerado o de maior prestígio na sua categoria. Apenas nove pessoas receberam a honraria.

A temática das fotos não poderia ser mais reveladora do caráter nacional. Mendigas que viram princesas, cinderelas de beleza rara que se transformam ao receber nova roupagem. A revista Marie Claire inglesa percebeu o potencial de Letícia e a escalou para acompanhar uma equipe que foi ao Carnaval do Rio de Janeiro preparar a edição especial de junho. “Procurei mostrar o Rio à margem do Carnaval. Gente que, embora esteja lá, não participa da festa.” O resultado é uma seleção de imagens em preto-e-branco que poderiam lhe dar outro prêmio. Letícia ainda irá exibir suas fotografias com as meninas de rua na prestigiosa galeria Proud de Londres, de 3 de agosto a 3 de setembro. Um evento que custou 40 mil libras (cerca de R$ 110 mil), no qual a embaixada compareceu com apenas 3 mil libras. “Para iniciar este trabalho, trabalhei como garçonete até de madrugada para poder comprar os filmes”, conta Letícia.

Ressonância – Outra que deu duro em restaurante é a artista plástica Marina Cobra. Na sua primeira exposição, em 1999, no pub The Peasant, ela não só pintou as telas e realizou a montagem como cozinhou para os convidados. Vendeu tudo o que expôs. Até hoje essa paulista classe média de Jundiaí, para completar seu orçamento, dá duro na cozinha de um dos restaurantes mais movimentados da capital inglesa. “Trabalho em média 14 horas por dia, entre a cozinha e o estúdio de pintura”, diz. Suas telas de cores fortes misturam ícones das histórias em quadrinhos, com formas geométricas superpostas. Marina é apontada pela crítica como uma das mais promissoras e inovadoras artistas da nova safra. A onda Brasil na Inglaterra é a caixa de ressonância para o trabalho dessa gente. Assim como o Carnaval carioca, cujo espetáculo é fruto do esforço de outras garçonetes, cozinheiras e visionários que montam nos barracões obras de arte para inglês ver.