ESPECIAL

PERSPECTIVA 2009
No conforto do lar
Segurança e aconchego são prioridade na hora de escolher onde morar

Francisco Alves Filho

Nada de prédios pontudos, com naves voadoras servindo de táxi e máquinas de teletransporte nas esquinas. "As grandes mudanças nas cidades do futuro terão a ver com o relacionamento humano, e não com os cenários de filmes de ficção científica", prevê o urbanista paranaense Jaime Lerner, um dos responsáveis pelo planejamento de Curitiba, cidade considerada modelo no País. Para ele, a tendência é que nos próximos anos as grandes cidades estejam menos infladas, com todos morando mais perto do trabalho e circulando em centros de convivência com pessoas de vários tipos.

"Para isso se transformar em realidade, precisamos de um novo New Deal global para determinar os rumos da vida em comunidade", defende Lerner, numa alusão às ações implementadas pelo governo americano para tirar os Estados Unidos da crise financeira de 1929. Na falta de uma reunião de cúpula, a própria sociedade vai encontrando novas formas de convivência. Por conta do alto nível de insegurança, as pessoas passaram a ter medo de circular pelo espaço urbano como faziam antes e estão sendo obrigadas a estreitar laços com os mais próximos, como parentes e vizinhos. Até mesmo as relações familiares estão passando por uma renovação, também influenciadas por esses novos tempos.

Uma boa amostra disso é o que acontece com o advogado carioca Rafael Medeiros, 28 anos. Formado há três anos e atuando na área de direito patrimonial, ele ganha o bastante para ter seu próprio cantinho, mas permanece morando na casa dos pais. E não tem planos de sair. "Aqui tenho várias comodidades, como comida pronta e roupa lavada. Mas o principal é que me dou bem com meu pai e minha mãe", diz ele. Além do conforto, sua permanência é favorecida pela quebra

RESGATE Os condomínios são como microcidades dentro da metrópole, onde as pessoas deixam de ser anônimas e passam a ser conhecidas por seus nomes e sua identidade familiar

de tabus mantidos por muito tempo em algumas famílias. Há alguns anos, Rafael tem total liberdade de levar as namoradas para dormir com ele. "Muitos amigos meus estão na mesma situação", diz ele, sob o olhar aprovador da mãe, Sandra. Para a psicóloga e terapeuta de família Eloá Andreassa, isso acontece porque houve uma mudança no comportamento dos pais, que estão mais liberais. "Eles deixam de ser austeros, são joviais e, também em favor da segurança, permitem que os filhos durmam com as namoradas em casa", explica. A psicóloga acredita que essa nova convivência de pais e filhos favoreça a retomada de alguns valores familiares que foram abandonados nas últimas décadas.

Esse mesmo fator faz com que a interação com a vizinhança seja valorizada. Em São Paulo, moradores de alguns bairros já estabeleceram pontos onde gente de uma mesma região pode se encontrar freqüentemente para trocar experiências comuns. Os bares de Vila Madalena são uma boa mostra disso. No Rio de Janeiro, essa necessidade inspirou um estilo de moradia que se tornou a marca da Barra da Tijuca, bairro da zona oeste: os megacondomínios, completamente equipados para manter os moradores na área pelo maior tempo possível. Os últimos lançamentos do mercado imobiliário estão sintonizados com essas novas aspirações. Há 20 anos, a vista era o primordial. Depois, ganhou importância a garagem, seguida da varanda, suíte e closet. Hoje, o fundamental é o pacote segurança, lazer, paisagismo e serviços.

EM SÍNTESE:

� A insegurança faz estreitar os laços com a família e os vizinhos, sobretudo em condomínios

� As pessoas tendem a viver em torno de seus bairros, morar e trabalhar na mesma vizinhança

� Casas mais confortáveis e amplas áreas de lazer nos prédios são tendências que vieram para ficar

� Serviços de entrega em domicílio devem crescer

O empresário Jorge Gallo habita um desses complexos. "Aqui recuperei aquela vida comunitária, em que os vizinhos se conhecem e as famílias interagem", diz ele, morador do condomínio Ocean Front. Num mesmo local, Gallo, sua mulher, Maria Helena, e seus dois filhos dispõem de cursos, lanchonete, bar, cinema, salão de cabeleireiro, academia, além de piscina e quadra de esportes. "Os vizinhos conhecem meus filhos e eu conheço os filhos deles, organizamos eventos de dança de salão dos quais todos participam", afirma. O empresário diz que, ao terminar a semana de trabalho, geralmente entra no condomínio na sexta-feira à noite e só sai na segunda-feira pela manhã, quando volta ao batente.

De olho nessa demanda, multiplicamse os serviços de entregas de documentos através de motoboys, serviços de delivery que vão do churrasco aos produtos orgânicos e até "personal organizadores de festa". Acessórios como home theaters e móveis cada vez mais aconchegantes completam o arsenal que transforma o lar num paraíso. O urbanista Lerner alerta para os riscos desse tipo de comportamento. "Não podemos ficar fechados em guetos, onde só nos relacionamos com nossos iguais. Falta a bairros como a Barra um centro onde haja convivência com pessoas de classes, idades e profissões diferentes", diz ele. A psicóloga Eloá também admite o risco da exclusão, mas vê o lado bom desses megacondomínios: "São como microcidades dentro da metrópole, onde as pessoas deixam de ser anônimas no meio da multidão e passam a ser conhecidas por seus nomes e sua identidade familiar."