O domingo de eleição começou quente para Lindaura, que há anos trabalha na casa de Geraldo Alckmin. Ainda não eram nove horas da manhã e ela começava a cumprir sua principal missão: caprichar no estrogonofe, prato preferido do chefe. Enquanto as panelas esquentavam na cozinha, na portaria do prédio funcionários e chefes de segurança se agitavam com a chegada dos caciques do PSDB Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Foi uma visita rápida, a única registrada no prédio em mais de sete meses de campanha. Essa falta de apetite em procurar Alckmin na casa dele denota que, agora que ele perdeu as eleições, sua vida será ainda mais solitária diante dos dois maiores caciques paulistas do PSDB. Se pretende mesmo presidir a legenda, como parece ser seu primeiro plano, o ex-governador terá de procurar outros aliados.

Nada indica que a vida será fácil para Alckmin. Nos 28 dias de campanha no segundo turno, ele perdeu 2,4 milhões de votos. Viu eleitores mudarem de lado até mesmo em São Paulo, onde Lula, mesmo derrotado, reduziu-lhe a vantagem quase 11 pontos porcentuais. Em Minas Gerais, esperança de um balaio de votos a partir da liderança do governador Aécio Neves, os resultados foram pífios, com apenas 25% das preferências. No Rio de Janeiro, outro desastre. Quase 70% dos fluminenses escolheram Lula.

Esses resultados trabalham contra a intenção de Alckmin em se tornar uma liderança nacional do partido. Ele próprio preferiu recolher-se em férias com a família – foi para a sua Pindamonhangaba natal –, mas dizem que, se lhe couber uma candidatura a prefeito de São Paulo, em 2008, isso já estará de bom tamanho. O candidato fecha-se em copas. Aliás, foi assim que ele agiu, muitas vezes, em campanha. Conhecido pela falta de carisma, que lhe rendeu o apelido de Picolé de Chuchu, Alckmin é capaz de receber críticas sem mexer um músculo do rosto. Homem de poucos amigos, ele tem dificuldades em delegar tarefas e toma decisões individuais. É verdade que ouve seus interlocutores atentamente, mas é ele quem bate o martelo. Isso ajuda a entender por que, em cinco anos à frente do governo de São Paulo, Alckmin não tenha mantido a seu lado as estrelas de seu partido. O próprio presidente do PSDB, Tasso Jereissati, confidenciou a alguns interlocutores que estava confuso com a personalidade de Alckmin durante a campanha. Para ele, o primeiro problema era geográfico: a sede do comitê ficava em Brasília, mas as decisões eram todas tomadas por Alckmin em São Paulo. Jereisssati também ficou descontente com o excesso de poder atribuído ao marqueteiro Luiz Gonzales e ao coordenador de campanha João Carlos Meirelles, antigos aliados do governador Mário Covas. “Ficou parecendo que São Paulo seria o novo pólo nacional”, diz o analista político Gaudêncio Torquato.

Esse foi um dos maiores equívocos do candidato. Em um jantar promovido por um importante empresário brasileiro dois meses atrás, Alckmin foi alertado por um trio de cientistas políticos de que ele precisava se tornar conhecido fora do eixo Sul-Sudeste. Ficaram espantados com a posição do tucano que acreditava ser possível se tornar nacionalmente conhecido em 45 dias de programas eleitorais televisivos. Em parte, ele tinha razão. De fato, Alckmin quebrou a casca do ovo ganhando o cenário político nacional, mas não conseguiu convencer o eleitor de que faria um governo diferente do presidente Lula. Bateu na tecla da moral e da ética sem ir direto ao ponto mais sensível do eleitorado, o bolso. Não bastasse, Alckmin perdeu dez dias da campanha do segundo turno para se livrar da armadilha petista que o acusou de ser “privatista”. Em vez de lembrar o sucesso de algumas privatizações comandadas por FHC, como as das companhias telefônicas e a da Vale do Rio Doce, que há duas semanas realizou, espetacularmente, a compra da canadense Inco, por US$ 13,4 bilhões, Alckmin vestiu um ridículo macacão com adesivos de estatais. “Acabou confundindo o eleitor de classe média e espantou de vez os de baixa renda”, diz o cientista político Bolívar Lamounier.

O descompasso entre a alta cúpula do PSDB e seu presidenciável foi captado facilmente pelas lentes dos fotógrafos. Eles precisaram pedir a FHC, Serra e Alckmin para se juntarem para uma foto no colégio Santo Américo, onde votaram Alckmin, sua mulher e a filha. Depois de digitar o 45 na urna eletrônica, Alckmin acompanhou a votação de FHC e de Serra. A contragosto, mudou os planos e participou da confraternização tucana (ninguém falou em festa) em um espaço de eventos no bairro paulistano de Pinheiros. Lu Alckmin voltou para casa sozinha e a filha Sofia ficou com o pai. Ambos voltaram para casa às quatro e meia da tarde. A partir dali, foram quase três horas de silêncio. Às sete da noite, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral Marco Aurélio Mello divulgou a primeira prévia da apuração, já apontando para a derrota de Alckmin. Os filhos Geraldo e Tomás, que votaram em Pindamonhangaba, cidade natal do pai, já estavam de volta. “Ele ficou aborrecido porque ainda acreditava numa reviravolta como a que aconteceu no primeiro turno”, disse a ISTOÉ o filho Geraldo. “Meu pai fez tudo o que podia.”

Já com a vitória de Lula assegurada, Alckmin cumprimentou durante meia hora os moradores do prédio, desceu ao primeiro subsolo, pegou o táxi do “seu” Gomes e partiu para Pinheiros. Ali, fez declarações de amor à mulher e aos filhos e agradeceu a alguns tucanos. Já tinha encerrado o discurso quando pegou de volta o microfone. Para evitar uma gafe, agradeceu aos coordenadores de sua campanha. Na foto, a última como candidato, posou com sua equipe mais fiel: a família. Voltou para casa a tempo de comer o que tinha sobrado do estrogonofe de Lindaura, que àquela altura, tão frio quanto o final de sua campanha, teve de ser requentado.