Ronald Kirk é o prefeito de uma das metrópoles mais ricas dos Estados Unidos, Dallas, em um dos Estados mais prósperos dos EUA, o Texas. Representando esse poderio financeiro, Ron Kirk, como é chamado, 46 anos, veio ao Brasil acompanhado de uma delegação de empresários texanos para tentar ampliar o comércio entre Dallas e a cidade ou até o Estado de São Paulo (o Brasil já é o terceiro mercado do Texas). O primeiro prefeito negro de Dallas, reeleito há dois anos, disse que é em cidades como a metrópole paulista que os investidores americanos estão interessados. Embora filiado ao Partido Democrata, atualmente na oposição, Kirk defende o livre mercado e a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) tão apaixonadamente quanto o presidente George W. Bush – que, aliás, também é texano. Na passagem por São Paulo, o prefeito de Dallas – “um JR sem botas”, como se definiu – concedeu esta entrevista exclusiva a ISTOÉ:

ISTOÉ – Qual o objetivo de sua visita?
Ron Kirk – Antes de mais nada, divulgar as capacidades da cidade de Dallas, um grande centro próspero em todas as áreas: econômica, cultural e sóciocultural. Queremos fazer negócios com São Paulo, sejam eles de exportação, sejam de importação. Esperamos que os governantes daqui vejam essa iniciativa como uma relação de duas vias, e não apenas um grupo de empresários que vem fazer dinheiro para seu país.

ISTOÉ – O governo brasileiro tem feito restrições ao cronograma de implantação e mesmo à pauta da Alca. Qual a sua opinião sobre isso?
Kirk – Posso falar pela minha cidade. A Alca melhorou muito a qualidade de vida dos moradores de Dallas. Assim como a Alca foi boa para o Texas por sua proximidade com o México, ela poderá ser melhor ainda para o Brasil. Seu país tem um potencial extraordinário, com muitas riquezas, e há muitas semelhanças culturais entre brasileiros e texanos, o que facilitaria ainda mais grandes negociações. Vivemos uma situação em que as fronteiras estão se abrindo, dando mais oportunidades às pessoas que estão no livre mercado do que às que vivem sob um sistema protecionista. Se um consumidor americano, por exemplo, vê que pode comprar uma mercadoria mais barata pela internet no México, não há política de governo que consiga impedi-lo. O Brasil tem que entender que, ou se encaminha para o mercado livre ou estará se fechando para o mundo.

ISTOÉ – Mas o Brasil e os EUA trocam acusações sobre medidas protecionistas.
Kirk – Mais uma vez, o mercado deve se responsabilizar por isso. Não há como haver proteção dentro dos princípios do livre mercado. Se apenas 70 de 100 companhias sobreviverem ao mercado, nós, como governo, não podemos salvar as outras 30. Pode parecer duro e cruel, mas, dentro desse contexto, sempre haverá ganhadores e perdedores.

ISTOÉ – Cerca de 28% da população brasileira vive hoje em favelas. Como o sr. lidou com o inchaço de Dallas?
Kirk – Toda cidade que se torna um grande produtor para o país sofre esse inchaço, porque as pessoas que procuram emprego migram para esses áreas. Um dos desafios que tivemos foi encontrar uma maneira de dividir o orçamento de Dallas. Uma solução foi atrair investimentos estrangeiros. Para se ter uma idéia, contamos com cerca de 1.600 empresas que trabalham com comércio exterior. E cerca de 25% de nosso produto interno bruto está investido nessa área. Além disso, damos incentivos fiscais para os novos investidores que resolvem se estabelecer nas áreas mais pobres da cidade. Fizemos uma lei para isso, permitindo que haja mais investimentos nas nossas “colônias”, como são chamadas as favelas de lá.

ISTOÉ – A violência é um dos grandes problemas que atingem tanto as cidades americanas como as brasileiras. Como lidar com ela?
Kirk – A violência decresceu drasticamente em 20 metrópoles americanas. Um decréscimo que varia entre 20% e 60% em alguns casos. Em Dallas, tivemos uma diminuição recorde na criminalidade nos últimos sete anos, estabilizando-a em um índice de 20 anos atrás. E, para isso, colocamos mais policiais nas ruas, além de investirmos dinheiro nas comunidades carentes e em serviços públicos, como a limpeza da cidade. Investimos também em bibliotecas e parques, lugares agradáveis para a população. Muito da violência nos EUA provém da juventude, que está marginalizada do sistema. E não bastam campanhas da prefeitura, a exemplo de “Diga não às drogas” ou “Diga não às armas”, porque aí o jovem chega para o prefeito e pergunta: “OK, então qual alternativa o senhor prefeito me dá?”

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ISTOÉ – O sr. é o primeiro prefeito negro a ser eleito em Dallas. O que isso representa para um Estado que há 40 anos era segregacionista?
Kirk – Mostra que obtivemos progresso. No passado, vivemos nos Estados do sul os horrores do segregacionismo, que proibia que alguém da minha cor, por exemplo, fosse prefeito, ou fosse para uma faculdade de direito como a que eu cursei. A geração dos meus pais foi a que saiu às ruas para lutar por leis que permitissem direitos iguais para todos os cidadãos, como educação e moradia. Leis que permitiram que o sonho de seus filhos acontecesse, como frequentar instituições como a Universidade do Texas, Harvard ou Yale. Ser um prefeito negro significa, no mínimo, estar superando tudo isso, passando a julgar as pessoas por seus talentos e suas habilidades e não pela cor, religião ou gênero. Até 20 anos atrás, Dallas era somente conhecida por um seriado de tevê que tinha um personagem chamado JR. Agora há um novo JR que não usa botas e não precisa ir à praia para ficar bronzeado (risos). No mundo globalizado, as pessoas querem fazer negócios onde se sentem seguras. Então, se alguém quer fazer negócios em Dallas vai notar não só que o prefeito é negro, mas que também 35% da população fala espanhol. Hoje, somos uma comunidade aberta, que aceita asiáticos, salvadorenhos, argentinos, brasileiros e respeita a maneira como as pessoas vivem.


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