Criado para dar proteção integral à criança e ao adolescente, o estatuto está esbarrando em vários problemas, como rebeliões da Febem, número de menores nas ruas, dependentes de crack e aumento da criminalidade. Hoje, tramitam no Congresso Nacional 43 projetos de lei e de emenda constitucional pedindo a diminuição da maioridade penal. O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, fundado há quinze anos, é uma das organizações que participam desta campanha. João de Deus Nascimento, coordenador estadual em São Paulo, fala sobre os resultados práticos do estatuto nesta entrevista à ISTOÉ Online:

ISTOÉ OnlineHá pessoas que defendem a diminuição da maioridade penal para os 14 anos, afirmam que o estatuto protege os menores infratores.

João de Deus – Quem fala que o Estatuto ajuda a criminalidade não teve a coragem de olhar a história de nosso continente e nosso País. O estatuto tem dez anos de vida. O ritmo dessa violência vez vem desde a escravidão dos negros e a violência contra os índios. Não temos direitos, só deveres, este é o País do deve, nós queremos fazê-lo País do direito. O número de adolescentes que praticam crimes no Brasil é 0,2% da população, dados do IBGE e do Ministério da Justiça. Eles cometem menos de 5% do total de crimes no Brasil. O professor Mario Volpi, em pesquisa sobre a Febem, mostra que apenas 5% dos internos cometerem crimes hediondos e bárbaros, o restante foi crime para comer.

ISTOÉ OnlineMas como você mesmo disse, há uma falha na educação, na municipalização, há muitos menores violentos…

João de Deus – Muitos nem conhecem o estatuto, a polícia continua matando meninos mesmo conhecendo a lei. O povo que está defendendo a pena de morte diz isso porque é muito mais fácil ir pelo elo da responsabilização do que pelo elo da pedagogia, pelo elo de dizer que é possível a gente capacitar as pessoas para entender uma outra filosofia de vida, que não a violência. O estatuto é a lei mais rigorosa, mais drástica que existe no Brasil. Um adulto que comete um crime só vai ser preso depois de condenado e julgado. Os meninos que cometem um crime são presos em flagrante e ficam até seis meses sem ter um relatório técnico, já começam a cumprir a pena a partir da prisão. O governo os está espancando na cara- dura. Todo mundo tem medo da polícia.O estatuto apenas detalha um artigo da Constituição. Ela diz que você não pode ser abordado, pedir identificação porque você é suspeito.

ISTOÉ OnlineQual o melhor modelo de tratamento para o menor que está nas ruas?

João de Deus – Não se fala mais menor, fala-se criança e adolescente. Menor é um termo pejorativo, do ponto de vista da lei. Dos 12 anos para baixo é criança, dos 12 para cima é adolescente, até os 18 anos. Defendemos a paternidade responsável do Estado, não afastando o menor infrator de sua família de origem. Defendemos que a criança, por exemplo, que cometeu um crime em Ribeirão Preto, cumpra a pena lá, próxima à família, ela não tem de vir cumprir a pena em São Paulo. A pena seria em uma escola que o capacitasse para o mercado de trabalho, não o deixasse atrasado no currículo escolar e o levasse a perceber a besteira que fez. Seria um internato, é uma medida sócio-educativa com privação de liberdade. Tem de ser próximo da família para que ela possa visitá-lo. Na prevenção, pedimos a mesma medida em meio aberto. Desde o programa cultural na comunidade, creche, centro cultural e escola com espaço para brincar. A criança precisa ter o direito de ser criança. Na Febem, cerca de 46% dos internos são da Grande são Paulo, que engloba 39 municípios e o resto, 54%, é do resto do Estado.

ISTOÉ Online – Qual a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente, a criança hoje em dia é mais respeitada?

João de Deus – O ECA mudou a Brasil culturalmente, a criança já é vista como cidadã criança e cidadã adolescente. Os direitos não estão sendo respeitados na totalidade porque isso é um problema cultural, não é só o estatuto que resolve.