08/10/2008 - 10:00
O conceito de luxo está ligado ao poder, à exigência pelo melhor e à tentativa de se diferenciar da maioria. Durante décadas, ele esteve presente apenas no universo dos muito ricos, que podiam vivenciar a experiência de uma compra cercada de mimos – do atendimento vip ao laço de seda que arrematava o pacote. Marcas como Louis Vuitton, Dior, Burberry, Gucci e Prada eram exemplos dessa exclusividade para muito poucos. Hoje, essas e outras grifes históricas estão sob o controle de corporações globais multibilionárias que visam ao lucro e ao crescimento pelos quatro cantos do mundo. O que os empresários do setor consideram democratização, a escritora e jornalista americana Dana Thomas chama de massificação no livro Deluxe – como o luxo perdeu o brilho, lançado no Brasil pela editora Campus-Elsevier. A autora, que escreve para as revistas Newsweek e New York Times Magazine, expõe o lado obscuro dos bastidores da atual indústria da moda. Entre as revelações, conta como os produtos feitos à mão estão praticamente extintos, as manobras agressivas dos executivos para tirar as marcas das famílias fundadoras, o impulso que a pirataria ganhou com o consumismo criado pelos desejados logotipos e como roupas fabricadas na China, para cortar custos, recebem etiquetas “Made in Italy”. Dana, que mora com o marido e sua filha em Paris, levou três anos para terminar a obra. Ela concedeu a seguinte entrevista à ISTOÉ.
Decidi escrever o livro por duas razões. Primeiro porque, como jornalista, escrevo há anos sobre moda, luxo e estilo de vida. E nesse tempo colhi boas histórias sobre as empresas do setor e os executivos que estavam tomando a frente dessas companhias, que sempre foram comandadas pelas famílias fundadoras. A indústria de moda começou a crescer muito, a se tornar um grande negócio, a formar conglomerados e a apresentar lucros incríveis. Um fenômeno.
Como consumidora das marcas, percebi que a qualidade dos produtos estava caindo. O acabamento das roupas não era bem-feito, zíperes arrebentavam, bainhas descosturavam. E isso não acontecia antes. Estava pagando muito por peças de baixa qualidade.
Muitas foram vendidas pelos herdeiros dos fundadores aos conglomerados de luxo. Em alguns casos, o que começou como uma sociedade para as famílias foi um passo para a perda de controle da empresa, como aconteceu com a italiana Gucci.
Para mim, a democratização do luxo é fazer com que produtos sofisticados estejam ao alcance de todos. Significa que qualquer um pode entrar em uma loja de grife e adquirir um produto, o que já se tornou comum nos Estados Unidos e na Europa. No passado, entrar em uma loja dessas era como fazer parte de um clube seleto. Hoje, qualquer um que tenha dinheiro – e há cada vez mais pessoas com dinheiro no mundo – pode comprar um produto de uma marca considerada de luxo. Mas, para as empresas, democratização significa espalhar objetos de desejo por todos os cantos, sem critério. Isso é banalização. Não se trata mais de uma compra especial. Hoje, as marcas de luxo perderam o brilho.
Sim. A francesa Hermès é o melhor exemplo. Continua uma empresa familiar. E, quando você compra uma bolsa da marca, precisa ir pessoalmente à maison, escolher o tamanho, o couro, a cor, se a ferragem será em ouro amarelo, branco ou incrustada de brilhantes. Depois, é necessário esperar o tempo que for para que os artesãos montem a bolsa. Isso pode levar meses. Eles poderiam produzir centenas de milhares de bolsas, ter centenas de lojas, mas optaram por manter a exclusividade.
Muitas coisas mudaram. Um número considerável de pessoas enriqueceu, portanto há mais dinheiro para se gastar. Há mais produtos disponíveis no mercado, com maior número de lojas espalhadas pelo mundo. Vinte e cinco anos atrás, a Louis Vuitton tinha duas lojas. Hoje, tem 400. É bem fácil achar peças da marca. Mas, principalmente, as empresas introduziram no mercado produtos mais baratos para pessoas que compram pelo logotipo, e não pelo que ele representa. Há coisas em conta, além das peças caras: echarpes, carteiras, óculos de sol, cintos. O que importa é a etiqueta.
Não, claro que não. É bom que diferentes populações tenham acesso a produtos mais sofisticados, possam conhecer e refinar seus gostos. Mas penso que não é certo alguém comprar uma blusa acreditando que foi feita à mão na Itália, quando, na verdade, a produção é chinesa. Ou dizer que algo é exclusivo quando há centenas de milhares iguais ao redor do mundo.
A grande diferença é que antes uma loja era como um clube. As vendedoras conheciam bem os clientes e suas preferências. Os clientes se conheciam entre si. No Brasil existe a Daslu, que é o que há de mais próximo no mundo de como era a experiência da compra de luxo no passado. Vendedoras e clientes são amigas, da mesma classe social. No geral, o que as empresas das grandes grifes oferecem é um atendimento corporativo, sem um toque pessoal.
Incrível. Levei três dias para conhecer toda a loja. É enorme. Mas adorei o lugar porque tudo o que você quiser encontrará lá. E, além disso, é absolutamente confortável e agradável. Como se você estivesse na casa de uma amiga.
Os outlets são a antítese do luxo. Vendem produtos inferiores e danificados, quando a essência de uma grife de luxo são peças minuciosamente perfeitas e belas. Na minha opinião, eles prejudicam a imagem das marcas.
Sim. A partir do momento em que as corporações fizeram suas marcas se tornarem cada vez maiores, seus produtos também passaram a ser mais desejados. E, mesmo que muita gente tenha mais dinheiro, ainda há uma parcela imensa da população que não pode gastar. Por outro lado, o que importa para boa parte das pessoas não é a qualidade, mas o logotipo.
Isso mesmo.
Não tenho como afirmar ao certo porque há uma enorme proteção dos chineses sobre as marcas para as quais trabalham. Mas, quando eu estive no país, fiquei impressionada com a quantidade de produtos feitos lá de cerca de 20 marcas.
Não seria correto afirmar que tudo o que é produzido na China é ruim. Pelo contrário. As marcas estão ensinando qualidade aos fabricantes chineses e eles estão melhorando cada vez mais. O problema é que deveria ficar claro para o consumidor que a bolsa que ele compra imaginando ser feita à mão é produzida numa fábrica em larga escala.
Os melhores, no geral, são os que conhecem a história de uma marca, têm gosto refinado e cultura. Pessoas assim dão valor e sabem o que estão comprando. Os japoneses são muito exigentes com a qualidade e a beleza. Os chineses estão aprendendo e comprando muito. Americanos querem comprar muito e ponto. Os brasileiros dão importância ao belo e à leveza em suas vidas e transmitem isso para suas compras.
Ele é um homem de negócios perspicaz, não há como negar. Graças a Arnault, a Louis Vuitton tornou-se conhecida em centenas de países. Mas para uma marca chegar a isso não precisa de alguém com o perfil dele. Giorgio Armani não precisou, por exemplo. O que importa para ele é ser bem-sucedido e obter lucro, mesmo que isso descaracterize o trabalho de anos de uma grife.
Chanel, que continua seguindo os princípios da fundadora, Coco Chanel. A Hermès também. São marcas que vendem bem porque o público continua seleto e não precisam da massificação. Ninguém sabe como os negócios dessas maisons são realizados. É tudo muito discreto, como sempre foi.
Não. Elegância é um dom natural. Mesmo que ela esteja de camiseta e jeans. Está ligada a um estilo pessoal e a uma postura diante da vida e no trato com as pessoas.