Cientista também joga futebol, faz compras em shopping e não abre mão de uma festa no sábado à noite. Pelo menos os jovens cientistas que estiveram presentes à 51º Feira Internacional de Ciência e Tecnologia (Isef), em Detroit, nos Estados Unidos. Do estilo nerd, que costuma rondar os laboratórios e os colegas de profissão, eles também não têm nada. Os tradicionais óculos fundo de garrafa utilizados pelo legendário doutor Silvana foram substituídos por bonés e roupas de grife e a fisionomia franzina do personagem em quadrinhos cedeu lugar a corpos saudáveis e bronzeados. A feira reuniu entre os dias 8 e 12 de maio estudos científicos de altíssimo nível, com a peculiaridade de terem sido desenvolvidos por alunos que ainda não colocaram os pés na universidade. Como todo adolescente, eles gostam de namorar, sair com amigos e ir ao cinema. A única diferença é o interesse por temas esquisitos, como oscilações do sistema parassimpático nervoso, troca de material genético entre os vegetais, a influência do tamanho das partículas de milho na ração para frangos. Com idades entre 13 e 20 anos e tanta curiosidade, eles mostraram que, quando o assunto é ciência, tamanho nem sempre é documento.

Estudantes do ensino médio, os finalistas foram selecionados em mais de 500 feiras regionais ou nacionais em 42 países. Representando o Brasil, 12 estudantes empenharam-se na apresentação de sete trabalhos Seis deles concorreram a uma bateria de prêmios – bolsas de estudo, livros, medalhas – que ultrapassou os US$ 2 milhões. Com cabelos espetados e algumas espinhas no rosto, Bruno D’Ancona ganhou US$ 500 e um quarto lugar em Zoologia, graças à íntima convivência com os perigosos escorpiões Tityus stigmurus. Aluno da Escola Americana de Campinas, em São Paulo, o jovem de 17 anos sentiu-se atraído pelo bicho quando soube que alguns moradores de sua cidade foram picados no ano passado. Depois de visitar o Instituto Butantan, foi aconselhado a estudar um tipo pouco conhecido, o tal do stigmurus. Bruno testou o efeito de seu veneno no diafragma de ratos e submeteu-o à ação de magnésio, substância utilizada como antídoto. Após algumas tardes no laboratório, anunciou seu veredicto: “O veneno dos stigmurus, responsáveis por 250 acidentes na Bahia no último ano, é tão forte que pode ser comparado ao dos Tityus serrulatus, a espécie mais perigosa do Brasil, típica da região Sudeste”, conta com ar de expert no assunto. Para ele, o mais difícil foi conciliar o tempo de pesquisa com as partidas de futebol. Bruno treina com o time da escola três vezes por semana. O estudante não é o primeiro a balançar entre o laboratório e as quadras. Até entrar na faculdade, Dudley Herschbach, Prêmio Nobel de Química em 1986, ainda sonhava em ser jogador profissional de futebol americano.

Foto: Max G. Pinto

A convivência com escorpiões garantiu a Bruno o quarto lugar em Zoologia.

Além de Bruno D’Ancona, outras três estudantes de Campinas expuseram seus trabalhos. Alissa Prince, 18 anos, desenvolveu um método para medir a oscilação das ondas desenhadas pelos impulsos elétricos do sistema parassimpático nervoso, capaz de denunciar as reações do paciente a situações de nervosismo ou stress. O aparelho limita-se a eletrodos adesivos que devem ser aplicados à pele e ligados a um computador equipado com um programa específico. A jovem cientista, que em breve trocará o hobby por uma vaga no curso de Administração, aposta que o aparelho pode ser uma alternativa ao detector de mentira atual. “Hoje se medem batimentos cardíacos, pressão sanguínea e outras manifestações que algumas pessoas conseguem controlar. Além disso, muita gente pode ter taquicardia mesmo dizendo a verdade. Só que pelo meu experimento ela não será condenada, pois atua sobre o sistema nervoso autônomo”, explica.

 

Ao lado de Alissa, a dupla Lara Ezzedine e Paula Castilho expôs a primeira etapa de um projeto que deve ficar pronto até a próxima Isef. Com apenas 15 anos e cursando o primeiro ano do ensino médio, as meninas passaram cinco meses pesquisando métodos de caracterização de bactérias que atacam plantas ornamentais. Seu objetivo é desenvolver transferência de plasmídio, ou seja, troca de material genético entre os vegetais para torná-los mais resistentes. Mas o que leva duas debutantes a se interessarem por plasmídio? “Lemos muitos artigos nos jornais e em revistas especializadas, como a americana Science, sobre residência bacteriana e transmissão genética”, conta Paula. Então tá. Engana-se, no entanto, quem pensa que a paixão por plasmídios as transformou em duas bitoladas. “Fomos ao laboratório da Unicamp quase todo dia durante o processo de pesquisa, mas a gente continuava se divertindo do mesmo jeito. Não deixamos de sair nos fins de semana”, garante. A presença das três meninas entre os quatro finalistas vindos de Campinas não é um caso raro. Segundo a Intel Corporation – empresa que fabrica chips para computadores e patrocina a feira – a participação feminina nos encontros científicos cresce a cada ano. “Nesta edição, tivemos 48% de garotas. Em um ou dois anos, é provável que elas ultrapassem o número de rapazes”, acredita Donald Harless, presidente do serviço científico da Intel.

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Apesar de ter ultrapassado o limite de idade para concorrer aos prêmios, Edidlene Cunha, 23 anos, aluna do Senai Mário Amato, de São Bernardo do Campo, fez questão de mostrar sua descoberta em Detroit. “O resíduo gerado na produção de papel – um conhecido poluente – pode ser aproveitado na construção civil. Ele substitui o feldspato, um dos ingredientes mais caros da cerâmica”, informa. Ração e laser – A região Sul do País também mandou três trabalhos a Detroit. De Concórdia, em Santa Catarina, partiram três alunos da Escola Agrotécnica Federal, Paulo Brunetto, 19, Acson Bosetti, 17, e Erivelton Zanon, 18. Eles foram os primeiros colocados na Mostratec (Mostra de Ciência e Tecnologia da América do Sul) e na Fenacitec (Feira Nacional de Ciência e Tecnologia do Ensino Médio). Os jovens pesquisaram a influência do tamanho das partículas de milho presentes na ração para frangos. Das diferentes granulometrias existentes, constataram que a mais adequada é a de tamanho intermediário, com 885 micrômetros. Através delas, obtêm-se melhores índices de crescimento das aves e menor desperdício de ração. “As partículas muito pequenas alteram o pH do intestino e comprometem a ação enzimática. Já as grandes ficam muito tempo retidas na moela e retardam o aproveitamento do alimento”, comemora Brunetto.

A Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, enviou a Detroit Eder Schneider, 18, dedicado a pesquisar os ciclos de radiação solar, e uma equipe de aficionados por computador. Gilson Hoffmeister, 20, Guilherme Weidle Jr., 18, e Jonatas Mattes, 19, garantem que qualquer arquivo digital pode ser enviado a mais de um quilômetro de distância por um pequeno canhão emissor de raio laser. Com uma velocidade duas vezes maior do que a transmissão via modem e com um custo 50% menor. Após construir todo o equipamento e testá-lo, os três jovens de Novo Hamburgo esbarraram na incredulidade de velhos especialistas. “Ao mostrar o projeto a uma grande empresa, nos disseram que haviam tentado realizar a mesma coisa sem sucesso”, conta Hoffmeister.

 


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