Dê uma ligeira olhada ao seu redor. A não ser que esteja sozinho, a probabilidade de haver alguém com alguns quilinhos a mais por perto é grande. Isso se o próprio leitor não estiver com a calça um pouco apertada. A realidade, dura para alguns, é que o brasileiro está ficando mais pesado. O último levantamento feito pelo Ministério da Saúde, em 1997, mostrou que 38% da população adulta do Brasil apresenta um quadro de obesidade ou sobrepeso. O número é quase 6% maior do que o da pesquisa anterior, feita em 1989. Hoje, há mais de 40 milhões de pessoas com excesso de peso espalhadas pelo País.

Motivo para desespero? Para muitos, sim. Afinal, nunca o culto ao corpo foi tão exaltado. Quem não gostaria de ter os seios e quadris de Gisele Bündchen ou os músculos torneados de um Paulo Zulu? Pena que mamãe natureza não agraciou a todos. O que fazer, então? O melhor caminho talvez seja aceitar-se como é. Afinal, calorias em excesso não são necessariamente sinônimo de angústia e desespero. As malabaristas Luciene e Licemar Medeiros (ou irmãs Botero), a modelo Isabeau Cristine e o vocalista da banda Peso Bruto Clovis Roth não fazem parte, ainda, do clube dos obesos famosos, frequentado por Jô Soares, Cláudia Gimenez e Fausto Silva, entre outros. Mas estão mostrando que é possível ser feliz gordinho.

Esse é o público-alvo do gordos.com.br. No ar desde o final do ano passado, o site está fazendo sucesso entre aqueles que fazem da balança uma companheira quase inseparável. O endereço eletrônico recebe uma média de 20 mil acessos mensais. Já foi visitado por gordonautas de mais de 25 países. A cada dia, chegam à redação do site mais de 300 e-mails. O gordos.com quer atingir uma fatia de mercado que não pára de crescer. Para isso, apresenta uma variada gama de serviços. O interessado tem acesso às colunas de médicos e psicólogos especializados, pode contratar as modelos fofinhas da agência virtual fat models e comprar uma série de produtos, entre eles, colchões, palmilhas especiais e roupas. Há até um passeio de limusine pelas lojas para gordinhos em Miami e Nova York, oferecido pelo Jota, um brasileiro residente na ensolarada Flórida. “Antes, quem quisesse comprar roupas bacanas só encontrava nos Estados Unidos. Caso contrário, teria de usar horrorosos fuseaux e calças de elástico. Finalmente estão surgindo produtos de qualidade aqui. Minha missão é mostrar isso para as pessoas”, diz Carlos Pimentel, 34 anos, 125kg, 1,75m, o criador do gordos.com. Prova de que os gordinhos começam a ser cobiçados pelo mercado é a preocupação de algumas companhias pelo bem-estar deles. Uma é a Expresso 1001 que colocou bancos mais espaçosos em sua classe leito na rota Rio-SP-SP-Florianópolis.

Carlos Pimentel, da gordos.com garante não ter entrado no negócio exclusivamente por dinheiro. O peso não o impede de sonhar alto. “Não penso em ficar rico com isso. Minha intenção é transformar o site na maior referência para gordos do País”, afirma. Um dos campeões de acesso do site é a seção classilove. Nele, gordinhos ou não podem encontrar a sua cara-metade.

O carioca Luiz Fernando Valentim Goldstein, 29 anos, 1,74m, 75kg, é um dos classilovemaníacos. O Castelo, apelido que ganhou por morar em uma réplica das famosas fortalezas medievais no bairro de Santa Tereza, confessa ser tarado por garotas robustas. Ele faz parte de um grupo de discussões na internet chamado Adoro Gordinhas. Mês passado, 160 integrantes do clube reuniram-se em São Paulo. Um dos pontos de encontro foi, adivinha, uma churrascaria. “O pessoal do restaurante quase teve um troço quando viu aquele pessoal entrando”, diverte-se Castelo. Ele não tem muita certeza, mas acredita ter namorado seis meninas com excesso de peso nos últimos dois anos. Uma delas beirava os 160 kg. “É claro que a mobilidade fica um pouco comprometida. Mas nessas horas é a criatividade que conta. E elas são campeãs nisso”, diz.

Fat admirator, como são chamados os fãs das gordinhas nos Estados Unidos, Castelo faz uma verdadeira apologia de um padrão estético um tanto em desuso, mas que um dia chegou a ser fonte de inspiração para pintores e escultores pós-renascentistas. “Eu gosto de fartura. Moro em uma casa espaçosa, sempre tive carros grandes. As meninas gordinhas são mais carentes. Por isso, dão mais carinho e afeto. Quando você fica com uma gordinha, a impressão é de que está satisfazendo duas”, diz o moço.

Auto-estima – Se houvesse mais Castelos por aí, talvez o trabalho da psicóloga Mariangela Oliveira Bicudo, 40 anos, fosse mais fácil. Uma das queixas dos pacientes que a procuram em seu consultório e no Ambeso, o ambulatório de Obesidade do Hospital das Clínicas, é justamente a rejeição por parte do sexo oposto. “É preciso ter consciência de que você é muito mais do que um corpo”, diz Mariangela. “Não é necessário ser magro para ser feliz. Na maioria das vezes, quando a pessoa engorda fica com vergonha de si própria e acaba se trancando em casa. Isso não é legal. Desde que não cause nenhum problema de saúde, a obesidade não deve se transformar em um agente depressivo”, afirma a psicóloga.

O principal objetivo das atividades desenvolvidas pela especialista é mostrar que há vida para os que não se enquadram nos rígidos padrões estéticos vigentes. Além de tirar a comida da cabeça, Mariangela trabalha a valorização da auto-estima dos pacientes. “Muitos associam a obesidade a sem-vergonhice. Essa confusão é muito prejudicial ao obeso. A má avaliação é um fator depressivo. Obesidade é uma doença. Identificadas as causas e iniciado o tratamento, as chances de a pessoa perder peso e assim tornar-se mais feliz são muito grandes”, avalia.

Ao emagrecer, muitos gordinhos começam a alimentar ilusões. Alguns acreditam que podem mesmo atingir medidas de deus grego. Para esses, vai um alerta.

“Por mais que se emagreça, até por uma questão de característica física, a pessoa precisa saber que nunca será uma Gisele Bündchen ou uma Carla Perez. Tem de encarar a realidade. Mas isso não quer dizer que ela não será atraente e não será aceita pelo sexo oposto. Nada disso. Aceitar a si próprio é o atalho mais curto para a felicidade”, afirma Mariangela.

Os sete mandamentos do gordo feliz
1) Descobrir o que realmente incomoda. Às vezes, a obesidade acaba sendo desculpa para encobrir outras angústias.
2) Gordinho feliz é gordinho saudável. Lembre-se, a saúde sempre em primeiro lugar.
3) Não tenha vergonha de procurar ajuda. Trancar-se em casa e entupir-se de comida é o caminho para o caos.
4) Tenha consciência de que obesidade é doença. Por isso, precisa ser tratada.
5) Estar com alguns quilos a mais não significa que você não seja atraente, interessante.
6) A comida não é o único prazer da vida.
7) Aceitar -se. Por mais que você emagreça, dificilmente terá um corpo de Gisele Bündchen ou Paulo Zulu.