O piloto inglês naturalizado brasileiro Gérard Moss, 46 anos, é o que se pode chamar de aventureiro nato. Filho de pilotos de rali, ele já correu na Fórmula Ford, velejou pelo oceano Pacífico durante dois anos e tem no currículo um vôo ao redor do globo a bordo de um monomotor Sertanejo, da Embraer. No dia 23 de junho, ele partirá para outro desafio: uma inédita volta ao mundo no comando de um motoplanador. Moss percorrerá os céus de 40 países em uma jornada de 45 mil quilômetros, que ele espera completar em 101 dias. Sobrevoará locais belíssimos, como Grécia, Egito, Índia, Alpes suíços e a ilha de Fernando de Noronha, mas também enfrentará as intempéries da isolada Sibéria, na Rússia, e o perigo de sobrevoar a China na mesma rota em que caças comunistas abateram em abril um avião espião americano. Moss fará filmagens, tirará fotos, escreverá um livro e, mais importante, realizará experimentos científicos.

 O ineditismo da viagem, orçada em R$ 1,5 milhão, fica por conta do meio de transporte. O Ximango, produzido em Porto Alegre pela empresa Aeromot com base em um projeto francês, é um dos três únicos modelos de motoplanadores fabricados no mundo. Batizado em homenagem a um falcão encontrado nos pampas gaúchos, ele tem motor de 100 cavalos no bico – força semelhante à de um Gol 2.0. Diferentemente dos planadores sem motor, o Ximango dispensa o reboque feito por outros aviões para ganhar os céus. Uma vez no ar, o motor movido a gasolina de aviação pode ser desligado, e a aeronave plana ao sabor dos ventos. Isso é possível graças às asas proporcionalmente maiores que as de outras aeronaves e à leveza da fibra de vidro e de carbono que compõe a fuselagem. Em Porto Alegre, Ximangos são usados pela Polícia Militar para monitorar a cidade, estradas e áreas de proteção ambiental. Nos Estados Unidos, a aeronave participa de concorrência para treinar jovens cadetes da Força Aérea americana. Do Brasil, ele é exportado para os EUA, Canadá, Japão, Austrália, Inglaterra, França, Argentina, Colômbia, Alemanha e Bélgica.

Ozônio – “O desafio será enorme, pois o avião não foi projetado para uma viagem dessas”, diz o piloto Gérard Moss, que pretende adicionar uma boa dose de ciência à jornada. A bordo da aeronave, levará sensores de altitude, de temperatura e de umidade relativa do ar, cápsulas de vidro a vácuo para coletar amostras de ar e pelo menos oito aparelhos de GPS (Global Positioning System), sistema que, com ajuda de satélites, fornece a localização exata no globo terrestre.

Em parceria com a Universidade Estadual Paulista de Bauru (Unesp), Moss estudará a concentração de ozônio (O3) em baixas altitudes. A 36 mil metros da terra, o gás filtra a radiação e nos protege dos raios solares. Perto do solo, porém, o ozônio provoca desde a simples tosse até o câncer de pulmão. “Vamos analisar a relação entre os grandes centros urbanos e a concentração do gás”, diz o astrofísico vietnamita naturalizado francês Ngan Bui Van, pesquisador titular da Unesp. Moss usará uma câmera digital da Kodak com GPS para marcar a posição das cidades que fotografar. Depois essa informação será cruzada com os dados obtidos por um sensor de ozônio desenvolvido pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, delatando assim os poluidores do ar. Os cientistas ainda vão estudar se há uma maneira de transportar o gás poluente de baixas altitudes para a alta atmosfera a fim de remendar a camada de ozônio destruída pelo efeito estufa. Moss também captará amostras de ar para que o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) pesquise a concentração dos nocivos clorofluorcarbonos (CFCs), gases dispensados por aparelhos de refrigeração que corroem a camada de ozônio. Já a universidade inglesa de Lancaster vai analisar a concentração de poluentes orgânicos persistentes (POPs) na atmosfera.

Chuva de canivete – Além dos instrumentos científicos, o piloto levará na bagagem uma ilha de edição de vídeo digital portátil para montar as imagens que capturar com três microcâmeras presas à fuselagem do Ximango, um notebook para escrever seu diário, que depois será transformado em livro, macacões preparados para enfrentar o frio na Sibéria, comida desidratada e 50 canivetes suíços da Vitorinox, uma das patrocinadoras da aventura. “Os canivetes são bons presentes para agilizar questões burocráticas nos aeroportos e pistas de pouso por onde eu passar”, explica Moss, já um ás no velho jeitinho brasileiro. Para emergências, Moss carrega um kit de sobrevivência com barraca, água, alimentos e rádio movido a energia solar.

Fora um piloto russo, que, por questões burocráticas e de segurança, terá de embarcar no Ximango durante a jornada de dez dias pela Sibéria, a viagem será solitária. Ou quase. De seu apartamento na Urca, no Rio de Janeiro, Margi, a mulher do piloto, coordenará toda a aventura – desde questões administrativas até a atualização do site na internet. O aventureiro se comunicará com a terra usando e-mail. Sua rota poderá ser acompanhada em tempo real no endereço www.asasdovento.com.br, e Moss também espera participar de sessões de bate-papo enquanto estiver em pleno ar. Para isso, carregará a bordo um Movsat, equipamento de comunicação de dados via satélite da Embratel, que permite usar telefone, fax e internet de qualquer lugar do planeta. Além disso, o piloto terá uma linha direta para receber de sua mulher informações sobre as condições meteorológicas dos locais por onde vai passar.

Malhação – Moss viajará somente durante o dia e nem sempre estará planando. “Nas Montanhas Rochosas, voarei por até quatro horas sem ligar o motor nem perder altitude”, diz o piloto. “Mas na travessia do oceano Atlântico, o motor estará ligado o tempo inteiro”, explica. À noite, o aventureiro irá editar as imagens que captar, escrever o diário de bordo e, claro, descansar. Antevendo o desgaste físico, que deve resultar na perda de 12 quilos, já começou um período de engorda – quer atingir 82 kg, dez a mais que seu peso atual. “Estou aproveitando para comer tudo o que posso”, diz ele, que também malha três vezes por semana para se preparar fisicamente para a jornada.