Os últimos anos não foram fáceis para os simpatizantes da Teologia da Libertação (TL), movimento católico que interpreta o Evangelho à luz das questões sociais. Os dois últimos papas, João Paulo II e Bento XVI, trataram de punir teólogos, modificar grades curriculares de seminários e esvaziar cardeais, bispos e padres identificados com essa corrente. Mas Francisco parece querer mudar o curso dessa história. Na semana passada, ele removeu a suspensão “a divinis”, que, em tese, não poderia ser cancelada, feita por João Paulo II ao padre e ex-ministro das Relações Exteriores da Nicarágua Miguel d’Escoto, 81 anos. Um dos idealizadores da TL, o ex-frei e teólogo Leonardo Boff é um dos melhores amigos do sacerdote nicaraguense. “Fui seu assessor quando ele foi eleito presidente da Assembléia das Nações Unidas”, diz. A seguir, ele fala o que essa iniciativa significa para a Igreja Católica.

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ISTOÉ – O sr. concorda quando se diz que o papa Francisco não é simpático à Teologia da Libertação?
Leonardo Boff –
Não. O papa Francisco sempre se entendeu dentro da teologia da libertação de vertente argentina, que vem sob o nome de “teologia do povo” ou “teologia da cultura oprimida”. Dela tirou a decisão de viver na pobreza, frequentar as favelas e lutar por justiça social. Tanto aprecia a teologia da libertação que recebeu no dia 11 de setembro de 2013, em audiência privada, o fundador dessa teologia, o peruano Gustavo Gutiérrez. Também já me solicitou textos sobre ecologia.

ISTOÉ – O sr. acha que pode nascer um movimento de reabilitação da Teologia da Libertação neste pontificado?
Leonardo Boff –
O papa não precisa reabilitar a Teologia da Libertação porque a está confirmando por sua prática e palavras.

ISTOÉ – O sr. acha que a Nicarágua, do padre Miguel d’Escoto, viveu de forma diferente a Teologia da Libertação? Lá, os religiosos católicos assumiram cargos políticos importantes.
Leonardo Boff –
Na Nicarágua viveu-se uma situação de extrema urgência. Triunfou a revolução, na qual participaram muitos cristãos, e não havia quadros. A Igreja não buscou o poder, queria apenas servir ao povo para consolidar a revolução. O papa Paulo II cometeu um grave erro ao condenar a Teologia da Libertação.

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RETORNO
Miguel d’Escoto: punição cancelada por Francisco

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ISTOÉ – Muitos dizem que a Teologia da Libertação foi praticamente dizimada nos últimos anos. O sr. concorda?
Leonardo Boff –
Como a Teologia da Libertação não é mais polêmica, como foi anos atrás, tornou-se um pouco invisível, mas não ausente. Sempre que há um Fórum Social Mundial, que ajudamos a fundar, ocorre o Fórum Mundial da Teologia da Libertação e nunca há menos de três mil, quatro mil pessoas. Os principais teólogos latino-americanos são teólogos da libertação. Hoje ela está no seu lugar verdadeiro: no meio dos pobres.

ISTOÉ – Em quais países a Teologia da Libertação foi vivida de forma mais intensa?
Leonardo Boff –
O Brasil foi um dos primeiros a assumir a Teologia da Libertação. O próprio Gustavo Gutiérrez, seu primeiro formulador, confessa que ela nasceu no Brasil, ao redor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da figura carismática de Dom Helder (Câmara). Durante a ditadura militar foi uma das forças sociais de maior crítica e resistência.

Fotos: Haroldo Abrantes/Ag. A Tarde /Folhapress; Jairo Cajina/EFE 


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