Não tinha lagosta nem caviar. Faisão? Esquece. O cardápio fino dos presidentes aristocratas não dá água na boca de um candidato que veio do povo. Na mesa do presidente Lula, o dia de sua reeleição foi repleto de iguarias típicas de uma cidade de metalúrgicos – a começar pelo frango à passarinho com polenta e pastéis de queijo. Em São Bernardo do Campo, berço político de Lula e do Partido dos Trabalhadores, chique é comer aos domingos no maior restaurante da cidade, o São Judas Tadeu, da família Demarchi. Foi para lá que o presidente mandou ligar quando bateu aquela fome, três horas depois de votar em si mesmo naquele domingo.

Faltavam alguns minutos para as 13 horas quando um assessor da Presidência discou o número 4346-4440 e pediu para falar com Laerte Demarchi, velho amigo
de Lula e proprietário do São Judas Tadeu. A reportagem da ISTOÉ estava presente no restaurante no exato momento do pedido presidencial. Logo na entrada, quatro leitões assados à pururuca atiçavam o paladar dos clientes que chegavam. Ao vivo,
o cantor Roberto Santi, auto-intitulado “O porta voz da Itália”, interpretava um sucesso de Francisco Alves de 1931 (“Se você jurar, que me tem amor, eu posso me regenerar”). O companheiro Laerte correu ao telefone, sorriu e pegou a caneta. Em uma folha branca, escreveu PRESIDENTE e anotou o pedido: frango à passarinho, espaguete alho-e-óleo, arroz branco, torresmo, salada mista e pastéis. Do outro lado da linha, em seu apartamento, Lula pegou o telefone. Laerte, agitado com o último dia da campanha eleitoral – antes de chegar, fez uma boca-de-urna “discreta” –, foi logo ao assunto.
– Vamos ganhar, presidente?
– Claro que vamos, companheiro.

Começava ali a saga do projeto fome zero do próprio Lula. Foram 45 minutos de pura emoção no São Judas Tadeu. A cozinha, dimensionada para atender até 1.300 pessoas no salão principal, não podia parar um minuto. Além das porções que abasteciam os bufês do salão, os cozinheiros atendiam às ordens para viagem, que eram entregues pelo ex-prefeito de São Bernardo do Campo pelo PTB Walter José Demarchi – segundo o próprio, um “lulista antipetista”.

Ele mesmo explica o que é isso: “O Lula é meu amigo e o PT me judiou muito”, diz. Rapidamente, Laerte montou a força-tarefa na cozinha. “É do presidente”, alardeou, passando a lista para a gerente Jucimeri Artigas Ferreira, a Juci. A encarregada Maria Lúcia de Oliveira distribuiu os pedidos. O pernambucano Manoel José da Silva, o Mané, preparou o espaguete. “Claro que votei no Lula. É meu conterrâneo”, disse, feliz, enquanto acrescentava o alho frito no macarrão.

As baianas Edilene de Oliveira Mascarenhas e Geralda Figueiredo de Moraes fritaram o frango e o torresmo (duas porções cada). Quando chegaram as saladas mistas, Laerte interferiu: “Põe palmito!” Deu uma olhada nas caixinhas de isopor e papelão e acrescentou: “E leitãozinho!” A cearense Francisca Ferreira da Costa, a Fran, fatiou o porquinho para o presidente.

Passados 30 minutos de calor insuportável e interminável vaivém de garçons, chegaram as polentas fritas. Laerte, sempre atento, palitinho nervoso no canto da boca, pergunta: “Pôs os bolinhos?” Os bolinhos de carne, claro, não poderiam faltar na quentinha do presidente. São iguarias especiais para Lula, diz o maître Claudomiro Lopes, carinhosamente chamado de Tatu pelo presidente. “É por causa do baixinho da Ilha da Fantasia.” É Tatu e o garçom Geraldo quem têm a honra de atender Lula nas vezes em que aparece por lá. Foram muitas nas últimas décadas. Foi ali, do lado esquerdo do palco e junto a uma fonte iluminada, que Lula começou a namorar dona Marisa, garantem os funcionários. E foi no segundo andar, em salas reservadas para festas, que o PT foi fundado, há 26 anos.

Na parede que separa os banheiros masculino e feminino, há muitas fotos de Lula e dona Marisa com a família Demarchi, desde os tempos em que os cabelos e a barba do cliente famoso eram bem pretos. Parece que todos ali são eleitores do petista, exceto o atencioso auxiliar de limpeza Maurício de Oliveira, que votou em Geraldo Alckmin (“Foi um bom governante para São Paulo”), e um casal de clientes que entrou com um protesto nas camisetas: “Se beber, não dirija. Aliás, nem governe.”

Ninguém ali se atreve a comentar as preferências etílicas de Lula. “Ele só me pede guaraná”, diz Tatu. “E diet.” O maître do presidente garante que ele continua sendo uma pessoa de hábitos simples. “Se sobrar comida do almoço, ele mesmo esquenta no microondas para jantar”, assegura. Pela quantidade de comida, a ceia do domingo feliz da família Silva estava garantida. São 13h40 e o pedido do ano está pronto para a entrega. A gerente Juci avisa Laerte pelo celular e ele encosta seu carro. Faz questão de levar pessoalmente. As caixas lotam o porta-malas de seu Renault Clio. Em poucos minutos, começaria o banquete do presidente – com direito a milhões de votos e de calorias.