Catastrofistas, neoburros, alarmistas de plantão, coveiros do Real foram alguns dos adjetivos que fizeram parte da artilharia verbal do Planalto contra os críticos da sua política econômica. Mas alguma coisa mudou em Brasília ou, quem sabe, está prestes a mudar. O sinal mais claro disso foi dado na semana passada pelo economista Francisco Gros, atual presidente do BNDES, durante um seminário no Rio que discutiu a conjuntura econômica nacional. “Os investimentos diretos em moeda estrangeira que o Brasil vem recebendo vão precisar ser remunerados no futuro e isso vai pressionar as contas externas do País”, disse o economista, citando o deputado petista Aloizio Mercadante, que no dia anterior havia feito alerta idêntico no mesmo evento. A crítica é antiga, muitos economistas de oposição já a fizeram. Novidade é o fato de um funcionário do primeiro escalão do governo admitir problemas nessa área.

A questão é que o tal investimento direto em moeda estrangeira foi, em grande medida, um dos pilares do Real. A maior parte do capital entrou – e continua entrando, ainda que em ritmo mais lento – para comprar empresas que o próprio governo decidiu privatizar, como as de telecomunicações, mas também para adquirir companhias brasileiras privadas. Apenas uma pequena parcela entrou para construir fábricas ou criar um novo negócio. Somente no ano passado foram investidos US$ 30 bilhões – tipo de número que o governo tinha todo interesse em alardear, totalizando cerca de US$ 120 bilhões investidos no País pelos estrangeiros desde 1995. Todo esse capital, claro, não veio a passeio, e os lucros auferidos no Brasil retornam para os mesmos cofres de onde saíram os investimentos que os geraram. Voltam na forma de lucros e dividendos, uma conta que no ano passado chegou a US$ 4,5 bilhões e que, neste ano, certamente será maior – o Banco Central já admite um crescimento de 20% nas remessas.

A contrapartida para garantir as contas do País viria das exportações que essas empresas viessem a fazer mais `q frente, trazendo dólares para cá. Ocorre que mais de 60% desses investimentos foram destinados ao setor de serviços, o qual, com raras exceções, não fatura no mercado externo. O exemplo mais significativo são as companhias telefônicas. Por outro lado, apenas 16% do capital estrangeiro foi para a indústria. “O governo jogou fora uma ótima oportunidade, porque até a crise asiática tinha muito dinheiro no mercado internacional. Mas eles preferiram o populismo cambial”, diz Mercadante.

Outro economista ligado ao governo a mudar o tom do discurso foi o ex-secretário de Política Econômica José Roberto Mendonça de Barros, um dos idealizadores do Real. Como Gros, Mendonça de Barros também decidiu na semana passada e no mesmo evento abraçar uma tese da oposição. Defendeu a redução dos juros como a única forma de garantir a retomada do crescimento. “O País precisa correr o risco de reduzir os juros assim que surgirem as oportunidades. É preciso mergulhar nessa piscina mesmo sem saber ao certo a profundidade”, afirmou, fazendo a ressalva de que agora não seria uma boa hora para isso.

Dilema – A mudança do humor do mercado financeiro internacional, reforçada na semana passada pela nova alta dos juros americanos, certamente está na origem do alerta lançado por Gros e Mendonça de Barros. A questão é que as remessas para o Exterior continuarão crescendo, as exportações dificilmente sairão do nível atual e a pressão sobre a moeda nacional só tende a aumentar. Mas também é certo que só o discurso não será suficiente para resolver esse dilema em que o governo se meteu.

O saldo primário e o resto da história
Um superávit primário de R$ 1,2 bilhão nas contas públicas, o segundo em números absolutos desde 1991, foi anunciado com entusiasmo há alguns dias pelo chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes. É uma boa notícia? Antes de mais nada, vale lembrar que esse valor é calculado subtraindo-se, do total arrecadado pelo governo, todas as despesas públicas, exceto uma, o pagamento de juros. Quando se considera a conta de juros, a situação muda de figura. Ao longo do ano passado, o governo federal pagou aproximadamente R$ 25 bilhões em juros da dívida externa. Ou seja, o trabalho da equipe econômica tem sido como enxugar a calçada em pleno temporal – temporal, aliás, reforçado pela própria política do governo.