Crises são parte da vida de qualquer pessoa, país ou seleção. Elas são importantes. Sinalizam que algo está errado e precisa ser melhorado. Se reconhecidas e respondidas corretamente, elas nos fortalecem. Se ignoradas, aprofundam-se e se repetem até que, finalmente, aprendamos a lição. Nossa crise mais recente veio com o Alemanha 7 a 1 Brasil. Já tive a sorte de ver o Brasil ganhar duas Copas. Espero que isso se repita mais algumas vezes. Ainda assim, temo que minhas recordações do trauma da derrota para a Alemanha serão ao menos tão fortes quanto as de nossas conquistas.

A Alemanha não ganhou a Copa só no campo. Ganhou no marketing e, principalmente, no planejamento. A vitória alemã começou 14 anos antes, com um projeto de busca e desenvolvimento de talentos. Hoje, a Alemanha tem o dobro do número de jogadores que nós, apesar de a população brasileira ser duas vezes e meia a alemã. A média de público da segunda divisão do campeonato alemão é maior do que a do Brasileirão. A Alemanha construiu seu próprio centro de treinamento na Bahia, com direito a campo com gramado cortado a laser. A análise do desempenho de cada jogador e da equipe em cada treinamento é feita com software desenvolvido só para isso. Resultado? Ganhou a Copa, mesmo com uma seleção sem craques, mas com muitos bons jogadores, preparo tático e técnico e espírito de equipe.

Quais as respostas brasileiras à crise? Substituir o treinador pelo treinador que perdeu a Copa anterior!? A sugestão do governo de expandir o modelo de intervenção pública, que não tem funcionado na economia, ao futebol?! Espero estar enganado, mas desconfio que estamos desperdiçando a crise por incapacidade de fazermos mudanças reais. Esta mesma incapacidade me traz a outros campos, onde a goleada da Alemanha é maior e mais grave. O que choca mais? Perdermos de 7 a 1 da Alemanha na Copa ou sermos massacrados por ela e por tantos outros países em educação, renda per capita, produtividade, IDH, expectativa de vida e infraestrutura?

O que temos a aprender com a Alemanha nessas áreas mereceria um livro, mas, como só tenho uma página, destaco o mais importante, começando pela educação.

O modelo educacional alemão diferencia-se pelo melhor ensino técnico do planeta, não por universidades de ponta. Assim, o país conquistou a liderança global em tecnologia e inovação. O planejamento e sua implementação que culminaram com a conquista da Copa levaram mais de uma década. Tampouco, as metas da política econômica alemã são de curto prazo. Quando a economia patinou, após a unificação do país, o governo não exagerou nos estímulos fiscais ou foi leniente com a inflação, comprometendo sua capacidade de crescimento futuro, como o Brasil andou fazendo. Para ganhar competitividade, a Alemanha apostou na produtividade e investiu em qualificação profissional, infraestrutura, flexibilização de leis trabalhistas e melhora do ambiente de negócios, em vez de tentar desvalorizar sua moeda e reduzir a competição, encarecendo produtos importados ou impedindo os alemães de comprarem no Exterior.

Hoje, essas lições importam mais do que nunca. Segundo pesquisas, sete em cada dez brasileiros querem mudanças no País. No entanto, as mesmas pesquisas mostram a presidenta liderando as intenções de voto para as eleições de outubro. A aparente incoerência se explica pelo fato de a população não ver na oposição as mudanças que almeja. Isso me traz de volta ao exemplo alemão. Lá, não se busca salvadores da pátria e balas de prata. As mudanças são fruto de planejamento, paciência, perseverança e trabalho. Espero que não tenhamos de tomar outros 7 a 1, como o que a inflação dará no crescimento do PIB neste ano, para aprendermos esta lição.

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Ricardo Amorim é economista, apresentador do programa “Manhattan Connection”, da Globonews, e presidente da Ricam Consultoria


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