Preocupado com os escândalos no Congresso, presidenteda Assembléia Legislativa de São Paulo propõe índice de avaliação parlamentar

O deputado Walter Feldman (PSDB) está preocupado com a reputação de seus colegas de trabalho. Motivos não faltam. Das câmaras municipais ao Senado, os políticos estão envolvidos em vários tipos de escândalo. Quase sempre envolvendo o desvio de dinheiro público. Isso sem falar nos acordos espúrios para impedir punições e investigações. Para tentar mostrar que nem todos os gatos políticos são pardos, Feldman, recém-eleito presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, está empenhado em implantar o Índice de Desenvolvimento Parlamentar, que vai dar notas à atuação do Legislativo. Tucano da nova geração, Feldman, aos 47 anos, está em seu segundo mandato, depois de ter sido eleito vereador também por duas vezes.

Na sua experiência no parlamento, o deputado tem notado uma participação popular cada vez menor. Para tentar reverter esse quadro, ele propõe mecanismos de diálogo entre a população e o poder público. Quer começar pelo orçamento do Estado de São Paulo, hoje uma fantástica soma de R$ 44 bilhões. Segundo Feldman, a moralização da política passa pela cassação dos senadores Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda. O tucano, que sonha ser prefeito de São Paulo, no entanto, também admite que no meio do caminho para a construção de uma nova ordem política está o apagão, que pode jogar nas trevas a imagem de seu partido.

ISTOÉ

Com as manobras para arquivar a CPI da Corrupção e um suposto acordo para evitar a cassação dos senadores ACM e José Roberto Arruda, os políticos, de uma maneira geral, estão com a credibilidade em baixa. Como reverter esse quadro?

Walter Feldman

Não há dúvida. E os deputados estaduais sofrem com isso. É comum o eleitor do interior não distinguir o deputado estadual do deputado federal. Dia desses, um deputado de Piracicaba me disse que é muito comum o seu eleitor perguntar: “como é que está lá em Brasília?” Mas estamos empenhados em fazer da Assembléia de São Paulo um contraponto a essa desmoralização. Queremos fazer do parlamento uma efetiva casa de debates com a sociedade, e São Paulo pode alavancar essa mudança de postura. Queremos dar o exemplo. O que tem sido mostrado para a sociedade em termos de parlamento não tem agradado. As assembléias são instituições da sociedade e não do Estado, mas ainda não foram devidamente apropriadas pela sociedade.

ISTOÉ

Concretamente, como fazer esse contraponto?

Walter Feldman

Acreditamos que o Brasil precisa criar um Índice de Desenvolvimento Parlamentar. Um indicativo para saber como estão nossas casas parlamentares. E a Assembléia de São Paulo, como um todo, está empenhada nisso. Se eu posso cobrar das prefeituras um aproveitamento na questão social, por que não posso saber se o parlamento está ou não melhorando em seu desempenho?

ISTOÉ

Como?

Walter Feldman

Já fizemos uma proposta para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para que seja criado o Índice de Desenvolvimento Parlamentar. Um indicador da qualidade de atuação dos parlamentares. Inicialmente, não seria aplicado para cada deputado ou cada vereador, mas a cada Casa Legislativa. Assim, o eleitor poderia saber se a Câmara de sua cidade está funcionando ou não, se a Assembléia de seu Estado está trabalhando bem ou não. A sociedade precisa saber e participar do que se passa no Legislativo.

ISTOÉ

Qual o critério para se chegar a esse índice? A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tem seu critério para julgar a atuação parlamentar. Os sindicatos certamente têm outro critério.

Walter Feldman

A nossa idéia é elaborar parâmetros como transparência, participação, tramitação de projetos, redução de gastos, assiduidade, intervenções, etc. A nota seria dada ao parlamento e não a esse ou aquele parlamentar. Um dado indispensável é considerar a participação popular no Legislativo.

ISTOÉ

Mas a Assembléia não está tão distante do eleitor quanto Brasília dos Estados?

Walter Feldman

 Sim, mas isso precisa ser mudado. Afinal, para se ter um exemplo, muito se fala do ajuste feito no Estado pelo governador Mário Covas, mas a Assembléia teve participação decisiva em todo esse processo. Nessa Casa há dinheiro público sendo aplicado. Há temas da maior importância sendo discutidos, mas o acompanhamento da sociedade é baixo e a tradição é a de que todas as decisões sejam atribuídas ao Executivo.

ISTOÉ

Como mudar essa tradição?

Walter Feldman

 Temos condições de trabalhar para ser uma boa referência. Vamos criar o parlamento-modelo. Não para aumentar nosso crédito, mas para que isso se alastre por todo o Brasil.

ISTOÉ

Sim, a idéia parece ótima, mas como torná-la realidade?

Walter Feldman

 Vamos começar adotando a idéia do orçamento democrático, debatido pela sociedade. Já há algumas experiências, mas sempre pelo Executivo. Nesses próximos dias vamos tentar mudar isso. O orçamento de R$ 44 bilhões do Estado de São Paulo não pode ser aprovado apenas por deputados, mas sim pela sociedade. Não faremos mudanças em pontos específicos, mas em programas de governo. Assim, a disputa política se dará na execução do programa e não na destinação da verba. Isso, ao contrário do que acontece em Brasília, já tem ocorrido em São Paulo, mas precisamos incrementar a participação popular nesse processo.

ISTOÉ

Isso não é o resultado de uma postura do Executivo?

Walter Feldman

 Todos os partidos políticos estão a favor disso. A novidade será institucionalizada pelo colégio de líderes. É uma proposta de toda a Casa. Estamos assumindo o compromisso de usar redes de rádio e tevê e até a própria TV Assembléia para estimular a participação popular nesse processo, inclusive com a realização de audiências públicas em todas as regiões do Estado e também na Assembléia. O desafio é explicar à população as regras para a elaboração de um orçamento. Precisa ficar claro que para aumentar o investimento em uma ponta precisa tirar de outra. Fazer isso significa fazer com que a política deixe de ser um balcão de negócios.

ISTOÉ

Mas tudo não pode mudar com a eleição de um governador contrário à participação popular?

Walter Feldman

Não. Será lei. Hoje, o debate sobre o orçamento é demagógico. Estamos criando condições para a sociedade participar e fiscalizar. O papel do parlamento é fazer valer a vontade popular, mas hoje, como está, as assembléias estão muito mais “fiscalizativas” do que legislativas.

ISTOÉ

Os exemplos dados pelos parlamentos são contrários a sua tese.

Walter Feldman

 Mas esse é o grande desafio. Melhorar a credibilidade dos políticos, que está no mais baixo patamar, e transformá-la em algo sério, que seja institucional. No Legislativo o valor mais alto deve ser a palavra. Para isso, queremos fortalecer as instâncias onde esta palavra se dá. Ou seja, o plenário e as comissões devem ser mais importantes do que os conchavos de bastidores no café dos deputados. Assim, os acordos serão legítimos e transparentes.

ISTOÉ

Mas não é isso o que se vê.

Walter Feldman

 É verdade. Nos últimos tempos, o que se observa é a radicalização das tentativas de acordo, reduzindo os debates. Fazemos inúmeras reuniões no colégio de líderes para quando chegar no plenário a coisa já estar encaminhada, até com votações simbólicas. Isso descaracteriza a luta política e favorece as barganhas. São Paulo vai dar o exemplo e mudar isso.

ISTOÉ

Não parece uma missão impossível?

Walter Feldman

É difícil. Temos que mudar a cultura. O que existe em Brasília, por exemplo. Há os deputados de alto clero, que são aqueles que participam dos acordos e conchavos de todas as ordens, e os de baixo clero, que não têm voz alguma. Ora, na medida em que eu valorizo o plenário e as comissões, eu nivelo os deputados. Aqueles que melhor usarem da palavra irão ter influência efetiva.

ISTOÉ

O sr. acredita que todos estejam preparados? É isso o que eles querem?

Walter Feldman

Essa é outra questão que já estamos enfrentando. Precisamos qualificar os profissionais do parlamento. Hoje, esses funcionários não estão preparados. Falta um sistema de ensino para o parlamento. Uma escola de graduação e de pós-graduação. Aqui no parlamento existe um mercado de trabalho extraordinário. Mas de onde vieram esses profissionais que atuam hoje? Vieram das campanhas. Precisamos de técnicos que trabalhem especificamente em suas áreas e compreendam os processos políticos e legislativos.
 

ISTOÉ

Existe esse profissional?

Walter Feldman

Não, mas vamos formá-lo. Queremos que estudantes comecem a frequentar a Assembléia e vamos elaborar cursos técnicos com os organismos estaduais para as questões burocráticas. Também estamos fazendo um estudo com a Universidade de São Paulo para criar um sistema de graduação para o Legislativo. Como se fosse a academia do parlamento.

ISTOÉ

E o pessoal que já está na Casa?
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Walter Feldman

 Temos cerca de 3 mil funcionários, muitos precisam passar por processos de reciclagem. Precisamos ainda criar um plano de carreira que estimule esse pessoal a se qualificar. Como está é difícil. E essa é uma questão de democracia. Por exemplo, na Comissão de Transportes, não temos nenhum funcionário especializado em transporte. Como eu posso democraticamente discutir com o Executivo se não tenho suporte técnico para esse debate? É essa situação que queremos reverter. A idéia básica é a seguinte: para funcionários antigos, reciclagem no limite. Para os funcionários novos, cursos especializados, em parceria com as universidades. É preciso ser criado o administrador público para o parlamento

ISTOÉ

Falando mais de política. O PSDB não vai pagar a conta desse racionamento de energia?

Walter Feldman

Não tenho dúvida de que o PSDB vai arcar com a maior parte dessa dívida. É um problema acumulado, mas nós, que estamos no poder, vamos pagar essa conta.

ISTOÉ

Falando mais de política. O PSDB não vai pagar a conta desse racionamento de energia?

Walter Feldman

Não tenho dúvida de que o PSDB vai arcar com a maior parte dessa dívida. É um problema acumulado, mas nós, que estamos no poder, vamos pagar essa conta.

ISTOÉ

Não houve negligência do governo? Afinal, há mais de quatro anos se fala em crise de energia.

Walter Feldman

 Houve uma evidente falha de comunicação e tudo isso nos obriga a pensar de forma mais planejada. O Brasil não está acostumado a fazer planejamentos de longo prazo em todas as áreas. O problema é gravíssimo e não se pode continuar administrando assim.

ISTOÉ

Existem outras questões emergenciais?

Walter Feldman

 Claro. Uma delas é a água. O sistema de saneamento. A questão da água está começando a ficar dramática até em lugares que não se imaginava. Não é só o polígono da seca. Em São Paulo, estamos estudando uma forma de cobrar pelo uso da água. Não haverá problema agora, mas daqui a 20 anos as novas gerações não terão mais água se não fizermos alguma coisa. Se é verdadeira a máxima de que o político pensa na próxima eleição e o estadista pensa na próxima geração, podemos dizer que no Brasil faltou estadista.

ISTOÉ

O governador Geraldo Alckmin defendeu um adiamento do início do racionamento, mas não é a hora de um tratamento de guerra? Ou seja, quanto mais rápido se enfrentar a questão, não será melhor?

Walter Feldman

Também não entendi essa posição do governador. Aqui na Assembléia estamos fazendo nossa parte. Estamos deixando a Casa no escuro. Em São Paulo, sei que a lição de casa foi feita. Nossas geradoras de energia estão todas em operação e os investimentos foram todos feitos. Talvez por causa disso os técnicos têm a expectativa de ainda dar uma virada. Mas essa questão é nacional e não paulista e a velocidade de instalação de termoelétricas e gasodutos é pequena para responder ao emergencial. O apagão é um dos problemas de maior dimensão da história deste país.

ISTOÉ

Na questão da violação do painel, envolvendo os senadores Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda, qual será a postura do PSDB? O partido participa de algum acordão?

Walter Feldman

 Não há lógica nenhuma nesse acordão. Pelo contrário, o PSDB vai trabalhar para cassar. O PSDB de São Paulo já se manifestou pela punição máxima. O que o Arruda e o ACM fizeram é o mesmo que um cristão entrar na Igreja e dizer que não acredita em Deus. Eles blasfemaram. É mais do que a mentira. Há alguns princípios no Parlamento, e a palavra é um deles, que você não pode lesar.

ISTOÉ

Na Assembléia, como está a questão do voto secreto?

Walter Feldman

Já fizemos uma primeira votação para abolir isso. Agora vamos procurar o presidente da Câmara para pedir que o Congresso Nacional também acabe com o voto secreto. A Constituição estadual já está para mudar. Mas queremos mais que isso. Vamos fazer uma mobilização nacional para que o voto secreto acabe em todo o País. Aqui é unânime que toda a votação seja aberta. Nenhum deputado votou contra.