Em 1996, os ex-comunistas italianos chegaram ao poder pela primeira vez em quase 50 anos, depois que um megaescândalo de corrupção varreu as estruturas do Estado do pós-guerra, até então dominado pelo Partido Democrata-Cristão em conluio com os socialistas. Convertidos à moderação, os herdeiros de Antonio Gramsci (fundador do Partido Comunista) sanearam as finanças, cortando o déficit público, reduziram o desemprego para 10% e garantiram um crescimento econômico médio de 3%. Mas, politicamente, os partidos que integravam o pólo progressista viviam às turras. Irritados, os eleitores italianos deram no domingo 13 a vitória eleitoral ao maior inimigo dos ex-comunistas, o bilionário da mídia Silvio Berlusconi, Il Cavalieri, o homem mais rico da Itália. A Casa das Liberdades, coalizão de direita que uniu a Força Itália, de Berlusconi, a neofascista Aliança Nacional e a separatista Liga Norte, conquistou 368 das 630 cadeiras da Câmara dos Deputados e 177 das 315 em disputa no Senado. L’Ulivo (A Oliveira), frente de centro-esquerda dos democratas de esquerda (ex-comunistas), Girasol (verdes) e ex-democratas-cristãos, que tinha como candidato o ex-prefeito de Roma Francesco Rutelli, ficou com 242 cadeiras na Câmara e 125 no Senado. Ao contrário do que aconteceu em 1994, quando chegou ao poder pela primeira vez, agora Berlusconi está em condições de fazer o 59º governo do pós-guerra mais estável do que o anterior. Com a liderança inconteste do Cavalieri, a coalizão vencedora se apoiará em apenas dois partidos (Força Itália e Aliança Nacional), já que a Liga Norte teve apenas 4% dos votos. Assim, Berlusconi pode se tornar o primeiro premiê italiano depois de 1946 a governar durante toda uma legislatura: cinco anos.

A irresistível ascensão de Berlusconi na Itália causou apreensão na Europa. “Em qualquer democracia dotada de amor-próprio, seria inimaginável que o homem cotado para ser eleito primeiro-ministro tivesse recentemente estado sob investigação por, entre outros motivos, lavagem de dinheiro, cumplicidade em assassinato, conexões com a Máfia, sonegação de impostos e suborno de políticos. Mas o país é a Itália e o homem é Silvio Berlusconi”, tascou a sisuda e conservadora revista britânica The Economist. Nascido em Milão, em 1936, de família de classe média, Berlusconi fez parte da loja maçônica P2, envolvida em tudo quanto foi escândalo político e financeiro dos anos 70. Seu império cresceu à sombra da proteção do ex-primeiro-ministro Bettino Craxi, um dos principais envolvidos nos escândalos de corrupção denunciados pela Operação Mãos Limpas em 1993. O futuro premiê responde a seis processos por fraude fiscal, suborno e financiamento ilegal de políticos. Sua fortuna é estimada em US$ 13 bilhões e seu império, o Fininvest, inclui o time de futebol AC Milan, a maior agência publicitária da Europa, a editora italiana de maior porte e as três mais importantes redes nacionais privadas de tevê da Itália.

O conflito de interesses, “o maior já vivido por uma democracia ocidental”, segundo o The Guardian Weekly, já começou a se manifestar. Na terça-feira 15, Gianfranco Fini, líder da neofascista Aliança Nacional e cotado para vice-premiê, sugeriu demissões em larga escala na RAI, a rede estatal de tevê. É de imaginar o poder que concentrará um líder de um governo estável que, tendo uma idéia messiânica de si mesmo, terá o controle da esmagadora maioria dos canais privados e estatais do país. “A separação de poderes que os Estados contam para proteger a democracia poderá desaparecer. Não se deve deixar a democracia depender da boa vontade de um homem”, diz o historiador James Walston, da Universidade Americana de Roma.