Ainda bem que a Madona amamentando o filho imortalizada na tela do pintor espanhol Pedro Machuca (?-1550) não vive nos Estados Unidos do terceiro milênio. Caso contrário, a Virgem Maria poderia acabar atrás das grades e ter o menino Jesus arrancado de seus braços para ser criado por uma família de caipiras do meio-oeste americano. Seguiria, desse modo, o exemplo de uma cidadã da prosaica cidade de Champaign, em Illinois, que foi levada às barras de um tribunal, perdendo por seis meses a guarda do filho de cinco anos. Seu crime: amamentar a criança um pouco crescida. Em 30 Estados americanos, uma espécie de febre fundamentalista protestante colocou o aleitamento materno sob suspeita, quando não sumariamente condenado como “desrespeito aos direitos civis da criança, além de constituir comportamento primitivo e incestuoso que, pode levar a criança à promiscuidade sexual”. Este inacreditável julgamento é feito pelo respeitável pastor Jonathan Thornley, do movimento “Cidadãos Contra a Amamentação”. Ele e seus seguidores representam apenas a ala mais radical de uma linha de pensamento que considera o leite materno impróprio para consumo – de maiores ou menores de idade. A mãe de Champaign, que teve identidade mantida em sigilo “para proteger o bem-estar de seu filho”, é apenas o exemplo que ganhou manchetes internacionais, mas que representa uma espantosa animosidade do país contra a amamentação (em ambiente público ou privado). A cada mês, 60 mulheres perdem o emprego por amamentar o filho, ou simplesmente ousar retirar através de bomba de sucção o próprio leite em locais de trabalho.

É praticamente impossível olhar uma banca de revistas americana sem que se veja uma profusão de peitos de mulheres. Nada menos que 85% das revistas de grande tiragem do país estamparam mamilos em suas páginas no último ano, segundo pesquisa da Associação dos Editores Americanos. Trata-se, como se sabe, de uma preferência nacional. Mas que ninguém se engane: no caso dos seios, a forma não deve obedecer à função. “O seio cada vez mais é proibido de cumprir sua vocação natural, que é a de amamentar. Foi relegado à condição de acessório”, disse a ISTOÉ a professora Camille Paglia. As estatísticas indicam que ela pode ter razão. De acordo com pesquisa da Associação dos Fabricantes de Leite Artificial, 83% das crianças americanas são desmamadas antes de seu primeiro aniversário. Em contrapartida, na África, Ásia, América Latina e nos países escandinavos, o aleitamento segue até os três anos de idade. O Escritório de Referência Populacional do governo americano diz que em 63 países em desenvolvimento 95% das mulheres amamentam. No Peru, a idade média para o desmame é 20 meses; no Nepal, 31 meses e, nos Estados Unidos, o tempo cai para seis meses. No final do ano passado, uma pesquisa com mulheres no interior da China, conduzida pela Universidade de Yale, mostrou que as mães que amamentaram seus filhos por dois anos ou mais reduziram seus riscos de câncer de mama em 50%.

“A amamentação reforça o sistema imunológico das crianças. Está relacionada com o decréscimo de problemas respiratórios, infecções no ouvido, diabete e síndrome de morte súbita de crianças. Também diminui riscos de problemas cardíacos, além de aumentar o QI da criança. Já do lado apenas cultural, acredito que a amamentação ajuda a criar laços estreitos entre mãe e filho”, disse a ISTOÉ Donald Gribetz, um dos pediatras mais conceituados do hospital Mount Sinai de Nova York.
 


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