Diante da portentosa fachada art deco dos estúdios de Cinecittá, nos arredores da capital italiana, um rapaz franzino passava o dia inteiro à espera da saída do cineasta Federico Fellini, na época mergulhado na produção de sua obra-prima Roma de Fellini (1972). Seu objetivo não era se misturar à multidão de figurantes da caríssima produção, facilitado pela aparência meridional de descendente de sicilianos. O que
o fotógrafo carioca Luiz Tripolli almejava, a ponto de não desgrudar os olhos do portão de ferro, era fazer um retrato do cineasta. Durante três dias, ele só ouviu negativas da assistente do italiano. Até que, sem mais nem menos, a mulher apareceu e se dirigiu a ele: “Falei com o maestro que você estava aí há três dias e ele mandou você entrar. Mas você só tem cinco minutos.” Quando Tripolli chegou ao estúdio, Fellini desceu da grua que sobrevoava uma réplica de uma rua romana. Filmava a cena da prostituta que recebe uma fila de clientes num carro dizendo apenas “o próximo, o próximo”. Sentou-se na cadeira com o seu nome e irritado pelo fato de o fotógrafo ter se abaixado para registrá-lo, foi clicado com uma expressão que revela sua fama de genioso.

Essa história foi lembrada em detalhes por Tripolli enquanto selecionava em seu estúdio, na rua Augusta, em São Paulo, as 160 imagens da grande retrospectiva em comemoração aos seus 40 anos de carreira, em cartaz no Masp a partir da quarta-feira 10. Não à toa, ele resolveu intitular o primeiro bloco da exposição, com imagens de fotógrafos que admira – Alberto Korda, Arthur Elgort e David Zingg, entre outros – de “Não basta apertar o botão. Tem que ter emoção”. E saber esperar pelo melhor momento da foto, claro. No início, quando começou a fazer nus, a espera era uma contingência. Como a profissão de modelo era malvista pela sociedade dos anos 1960, Tripolli ia para as portas das boates de Copacabana e esperava as prostitutas e strippers dos inferninhos fecharem o expediente para convidá-las a eternizar as curvas em óxido de prata. Foi assim que ele contratou os serviços da garota de programa Sanny, da boate Bilboquê, vendendo mais tarde o ensaio para a extinta revista masculina Fairplay, cujo diretor de arte era o cartunista Ziraldo. “Como eu era menor, o Ziraldo me pediu para levar a garota e comprovar a minha autoria”, lembra Tripolli.

Desse primeiro ensaio aos conhecidíssimos cliques de Ana Paula Arósio na juventude dos 13 anos – “ainda com dente de leite”, garante Tripolli –, Ana Hickmann e Ana Claudia Michels, uma fatia da história do mundo fashion e da publicidade passou pelas lentes do fotógrafo que enterrou a chamada mulher-cabide, sem expressão. “Me rotularam como fotógrafo de moda, mas não sou voltado para nada. Meu universo é amplo.” Tanto é assim que a exposição traz um bloco só com registros de família e do cotidiano e outro apenas com retratos de gente como Paulo Autran, Pelé, Ney Matogrosso e Paloma Picasso. Entre os da cantora Maria Rita, usados no encarte do seu CD de estréia, destaca-se a sua bela foto de costas, que ressalta a nuca alva em contraste com o cabelo negro. São imagens no extremo oposto daquelas provocativas, que marcaram época. Estas últimas, é claro, não foram esquecidas. Nem aquelas que quebraram tabus, como as dez fotos da histórica campanha da marca de jeans Pool, feita nos anos 1980. Entediado com a onipresença de loiras e rapazes de olhos azuis na publicidade, Tripolli propôs ao anunciante que usasse um modelo moreno na campanha. “Peguei o Carlucho e o coloquei junto com a Fernanda Roncatto, uma sósia da Marilyn. Foi um sucesso estrondoso, que mudou a cabeça das pessoas em relação à foto de moda.”

Nos anos 1970, Tripolli já havia enfrentado a resistência das revistas em relação a mulheres lindíssimas, como a morena Dalma Callado. Foi preciso que a modelo, clicada como uma entidade afro entre folhas gigantes, fizesse sucesso nas passarelas parisienses para ser aceita nas páginas locais. Tendo passado por quase todas as revistas masculinas – entre elas a Status, da Editora Três, revelando a nudez de Christiane Torloni, Fafá de Belém e outras beldades –, Tripolli gosta de desafios. “Sem eles a vida fica chata, na mesmice.” Uma de suas grandes ousadias foi sexualizar os super-heróis e personagens de quadrinhos numa série que deu o que falar. “Nunca tinha visto o Super-Homem, o Fantasma e o Mandrake fazer nada com aquelas mulheres maravilhosas”, brinca o fotógrafo diante da imagem do Fantasma com Diana. “Não sou escandaloso. Fotografo o que as pessoas querem ver e não sabem que querem”, afirma Tripolli, que prepara uma série sobre mulheres-animais inspirado na miscigenação das brasileiras.