O ex-todo-poderoso Antônio Carlos Peixoto Magalhães vai renunciar ao mandato de senador pela Bahia nesta terça-feira 22. Parceiro na violação do painel eletrônico, o senador José Roberto Arruda (sem partido-DF) acompanha ACM e também deixa o Congresso pela porta dos fundos. Não vai ocorrer a esperada votação, no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, do parecer do senador Roberto Saturnino Braga (PSB-RJ), que propõe a cassação dos mandatos dos dois fraudadores. A votação estava marcada para a quarta-feira 23, mas a renúncia da dupla interrompe o processo contra eles no Legislativo. A decisão tomada pelo Conselho na quarta-feira 16 – de que será aberto o voto dos senadores na apreciação do relatório de Saturnino – enterrou de vez as esperanças de ACM e Arruda de escapar com uma pena mais branda, como a suspensão do mandato por três ou quatro meses. Antônio Carlos volta para a Bahia na expectativa de mais uma vez se eleger governador no ano que vem. Antes disso, porém, junto com Arruda terá de enfrentar, sem imunidade, os inquéritos do Ministério Público para apurar a prática de crimes como improbidade administrativa e prevaricação. Os dois escolheram o dia 22 para a renúncia porque sabem que não têm a menor chance de vitória no Conselho de Ética. Fracassaram todas as manobras e expedientes usados, durante a última semana, pelo cacique baiano para não perder o mandato. A tentativa de “acordão” não deu certo: os parceiros governistas e parte do PFL lavaram as mãos e selaram a renúncia.

Na tarde da quarta-feira 16, o senador Nabor Júnior (PMDB-AC) – titular do Conselho de Ética – foi à tribuna do Senado manifestar sua indignação com a notícia cifrada, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, de que teria recebido R$ 500 mil de uma empreiteira baiana para votar contra a cassação do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). Um dia antes circulou com desenvoltura pelo Congresso o empresário Carlos Larangeira, sócio da OAS, a construtora da família ACM que responde a inquérito na Polícia Federal por sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e evasão de divisas no valor de US$ 500 milhões. Larangeira não dava o ar da graça no Senado desde que foi acusado pelo senador Jader Barbalho (PMDB-PA) de ser o principal “laranja” de Antônio Carlos. “Soube que tem até mala-preta para tentar salvar ACM”, contou o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), no cafezinho do Senado. Temeroso de que Antônio Carlos pudesse estar revertendo votos no Conselho às vésperas da votação do relatório, Geddel, um profundo conhecedor dos métodos políticos da Bahia, alertava: “É preciso prestar atenção no Larangeira. Não sei com quem conversou, mas ele está visitando gabinetes.” O sumido Larangeira esteve no Congresso em companhia do empresário Fernando Barros, dono da Propeg, a agência de publicidade que fez a campanha de mídia em defesa do cacique baiano. Revoltado com a especulação sem que ninguém assumisse publicamente a acusação, Nabor diz que não conhece Larangeira, nem qualquer outro diretor da OAS. Enquanto a boataria de compra de votos corria solta no Congresso, os carlistas faziam mais uma tentativa para que o Senado, em vez de cassar os mandatos, apenas os suspendesse.
 

Sem acordo – Numa manobra para abrandar o parecer de Saturnino, o comando do PFL assegurou aos parceiros governistas que votaria a favor do relatório se não fosse explicitada qual a punição a ser aplicada à dupla de senadores. A proposta teve aval de Jader e dos líderes no Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) e Sérgio Machado (PSDB-CE), que tentaram viabilizá-la em conversas com correligionários e parlamentares da oposição. Alegavam que esta seria a fórmula mais adequada para evitar riscos de uma derrota no Conselho. Num primeiro momento tiveram êxito. Antes de perceberem que isso poderia abrir a possibilidade de a Mesa do Senado propor uma punição menor para ACM e Arruda, a idéia recebeu a concordância até de parlamentares que pregam abertamente a condenação, como Antero de Barros (PSDB-MT) e Roberto Freire (PPS-PE). Durou pouco. Após confirmarem com Saturnino que seu relatório proporia mesmo a cassação de mandatos, as oposições conseguiram também o recuo das cúpulas tucana e peemedebista. O acordo que acabou com as últimas esperanças de ACM e Arruda, foi selado na madrugada da quarta-feira 16, horas antes da reunião do Conselho.

Numa longa conversa, na casa do senador Paulo Hartung (PPS-ES), entre Renan, Machado e os senadores Ramez Tebet (PMDB-MS), presidente do Conselho de Ética, e Heloísa Helena (PT-AL), foi descartada a proposta de acordo com o PFL e preparada a estratégia para a manhã seguinte. Enquanto degustavam uma paçoca de farinha com carne-seca, levada por Tebet, os cinco senadores acertaram que a decisão sobre o relatório de Saturnino seria mesmo no voto aberto. O script foi cumprido à risca. Logo após a abertura da reunião do Conselho, Gerson Camata (PMDB-ES) levantou uma questão de ordem sobre como seria a votação, decidida na hora e sem contestação por Tebet. Fiel e estridente pupilo de ACM, Waldeck Ornélas (PFL-BA) chegou atrasado à reunião com uma defesa escrita do voto secreto elaborada por advogados. Quando quis apresentá-la, descobriu, atordoado, que já era tarde, a matéria estava vencida. “O voto aberto é regimental e ético”, sentenciou Tebet.

Definida como será a votação, Saturnino apresentou um relatório consistente em que ressalta de maneira irrefutável o festival de mentiras e os crimes praticados por ACM e Arruda, propondo a cassação do mandato da dupla. A grande maioria dos conselheiros aplaudiu o trabalho do relator. Na contagem regressiva para a renúncia, Antônio Carlos e Arruda protagonizam cenas patéticas. Cinco anos depois de ter esmurrado o colega Ney Suassuna (PMDB-PB), na manhã da quarta-feira 16 um ACM trêmulo, mãos frias e lágrimas nos olhos surpreendeu a vítima de sua truculência, agora titular do Conselho de Ética, com um apelo para que não votasse a favor da cassação. Arruda passa o tempo todo telefonando a parlamentares em busca de socorro. Nada adianta. A sorte da dupla está selada. Aliados dos dois avaliam que eles já deixaram passar as melhores oportunidades para pedir o boné. O desgaste só tem aumentado com os crescentes protestos populares. Na quinta-feira 17, estudantes levaram uma pizza gigante para o gramado do Congresso e chegaram a entrar no laguinho que ACM mandou construir para barrar manifestantes. No mesmo dia, os 81 senadores receberam pizza enviada por empresários. O melancólico para o coronel baiano é que, depois de ajudar a enterrar a CPI da Corrupção, ele perdeu até o discurso da moralidade que preparou para embalar a renúncia.