A reportagem da edição anterior de ISTOÉ sobre alunos até da sexta série que não sabem ler nem escrever causou emoção e indignação em dezenas de leitores. Uma professora de Português havia sugerido a nove estudantes, com idades entre 11 e 15 anos, a produção de um singelo ditado: “No dia 22 de abril, comemoramos os 500 anos do nosso Brasil, que é uma terra maravilhosa.” Um dos alunos, o garoto Welton, produziu o seguinte: No dina vit do de Abinu d doni come kicna do no ba Basinu terã mlazsa. Dezenas de cartas e e-mails chegaram à redação, protestando contra a situação da escola pública. “Juro que pensei que fosse romeno”, espantou-se o leitor João Manuel Maio, de São José dos Campos (SP), referindo-se aos sinais incompreensíveis feitos por Welton, matriculado numa escola municipal na periferia de São Paulo. “Quando soube que era um menino de 11 anos, da quarta série primária, tentando escrever em Português, tive uma crise de choro. E só me perguntava: meu Deus, que País é este?”, questiona João. O próprio ministro da Educação, Paulo Renato Souza, passou a citar a denúncia de ISTOÉ como exemplo de situação que “não pode mais ser mantida”. Até do Japão vieram manifestações. “A impressão que fica é que o governo preferiu abolir a repetência nas escolas públicas para passar para os estrangeiros a impressão de que o sistema educacional em terras tupiniquins melhorou”, critica o dekassegui Fernando Miazaki.

Na mesma linha, foi dura a reação dos educadores ao comentário do ministro Paulo Renato de que isso demonstra o “fracasso da escola” e, consequentemente, deve ser exigida maior dedicação dos professores. “Nenhuma categoria no Brasil é mais dedicada que a dos professores, que vive com uma jornada triplicada e os baixos salários”, rebate a presidente do Sindicato dos Professores no Ensino Oficial de São Paulo, Maria Isabel Noronha. “Como dar atendimento individualizado em uma sala de aula com 45, 50 alunos e com menos de um metro quadrado por aluno? Como garantir a recuperação contínua com apenas 50 minutos de aulas e, às vezes, apenas uma aula por semana, sem recursos didáticos apropriados?”, indaga uma carta de protesto, com quatro páginas, assinada por 14 professores da rede estadual da zona sul de São Paulo.

Na quarta-feira 10, o ministro Paulo Renato não questionou essas reclamações. “Eles têm razão. É tudo verdade. Não tenho dúvidas das dificuldades que os professores enfrentam. Os salários são baixos, mas estamos aumentando. Computadores estão sendo comprados. Não quero acusá-los, mas quando digo que o problema é da escola, as dificuldades não diminuem a responsabilidade deles.” A aprovação automática – através da chamada progressão continuada – forma hoje subcidadãos despreparados, com diploma, porque a iniciativa não foi implantada adequadamente. “Em São Paulo, a proposta foi imposta. Não se procurou obter a adesão do professorado”, acredita Marília Spósito, professora da Faculdade de Educação da USP e presidente da ONG Ação Educativa. “Essas idéias implicam mudanças muito profundas. O governo aumentou o número de alunos na escola, mas não ampliou os recursos. Assim, ninguém vai fazer milagre e não se pode responsabilizar o professor pelo insucesso.” Segundo ela, houve experiências bem-sucedidas no combate à repetência em Belo Horizonte e Blumenau (SC). Espera-se, agora, que a polêmica ajude a mudar a realidade de crianças que vivem o mesmo drama de Welton.