Cauby Peixoto recentemente conseguiu entender seu poder de antecipar fenômenos. Em meio à solidão bem resolvida, confortavelmente assistia à televisão num de seus apartamentos, o de São Paulo, no bairro de Santa Cecília. Passava o filme Minha sogra é da polícia, comédia de 1958, estrelada por Violeta Ferraz, uma das comediantes-símbolo da era da chanchada. De repente, um Cauby jovem, lépido, irrompeu na telinha sacudindo-se ao som de Rock’n’roll em Copacabana. “Eu estava com uma roupa avançada e me assustei quando me vi dando um salto enorme e imediatamente começando a cantar aquele rock. Aí vi Michael Jackson, que, na verdade, estava nascendo naquele ano”, contou ele a ISTOÉ, numa longa conversa na qual a sobriedade de gestos e poses contradisse tudo o que se pode pensar do cantor. Antes de tudo, Cauby Peixoto é um ator. E dos bons. Interpreta a si mesmo com perfeição. Afinal, são 50 anos de carreira a serem completados em 2001, tempo em que aprendeu todos os truques para lidar com a fama. “O sucesso passa, a fama fica”, filosofa. É o mito em momento pleno, na quietude do lar.

No palco, ao contrário, incorpora a missão com tal profissionalismo e convicção que ninguém fica impassível. Atualmente, o cantor cumpre uma batelada singular de shows na boate e restaurante Scandal, em São Paulo, da empresária da noite Lilian Gonçalves, que também o dirige. “Ele é ímpar. É a sétima temporada que faço em cinco anos e é impressionante o poder que ele exerce. Vendo os 150 lugares sempre que Cauby se apresenta”, testemunha Lilian. Toda última quarta-feira do mês – a próxima será no dia 31 –, faz seu espetáculo por volta das 23h. Será assim até 29 de novembro. É uma ótima oportunidade para vê-lo surgir em cena. Sim, porque em se tratando de Cauby Peixoto ele nunca, jamais, aparece. Cauby surge. E indefectivelmente surge envergando um de seus incontáveis trajes laminados, lotados de pedrarias, as mais coloridas e brilhantes que se possa encontrar. Seu alfaiate D’ Carlo, da capital paulista, vive reclamando quando o antigo rei das macacas de auditório – como eram chamadas as fãs nos anos 50 – vem ao seu ateliê carregando mais um daqueles tecidos inacreditáveis. “D’ Carlo diz que não é roupa de homem, e eu falo para ele deixar de ser careta e acaba fazendo. Ele é o melhor alfaiate do mundo”, elogia, envergando um blaser azul-marinho, trespassado por reluzentes botões dourados, que combina com uma calça listrada no estilo fraque. “Saí com esta roupa em Paris, usando um chapéu preto, e recebi fiu-fiu, muitos fiu-fius. Você tem de saber carregar o traje, vestir e ficar como se estivesse num pedestal”, ensina.

Recentemente, Cauby Peixoto desfilou para uma grife, cujo nome não se lembra, inclusive cantando na passarela. “Eu me saí muito bem.”
Esta certeza diante da vida, das atitudes, é que o transformou num dos melhores cantores, aliás, intérpretes brasileiros, como prefere. “Antes gritava mais, agora estou cantando melhor.” Sua identidade com a arte é tão grande que chega a cunhar frases cortantes para explicá-la. “Prefiro cantar do que amar. Casei com a carreira, sou auto-suficiente e me basto”, determina. “Se tivesse perdido a voz, teria me suicidado.” Não à toa, acabou se apossando da belíssima canção Bastidores, de Chico Buarque de Hollanda, que gravou em cinco diferentes discos. E que ninguém mais ouse cantá-la. O próprio Chico admitiu que não compôs a música para Cauby, mas ele a tomou com tamanho empenho que ficou sendo dele. O jeito como a interpreta, no entanto, espertamente foi inspirado numa situação peculiar. Estava ele na histórica boate Hippopotamus, no Rio de Janeiro, quando Danuza Leão, a hostess na época, pediu ao DJ para rodar Bastidores. “Notei a rapaziada cantando junto e sacudindo os braços na hora do ‘nunca mais, nunca mais’. Aí, pensei: vou fazer igual.” A hoje colunista atesta. “É verdade. Quando tocava, todo mundo cantava junto, era um delírio.”

Careta – Para manter esta forma que já impressionou Caetano Veloso, atentando para o brilho que Cauby ainda mantém na voz, há alguns cuidados. Não toma nada gelado e há dez anos não chega perto de cigarro, depois de ter fumado durante 20. Álcool, então, nem pensar. “Tenho horror até a champanhe, se me oferecem fico disfarçando até deixar a taça em algum lugar.” Loucura e excessos, só sob os holofotes. “Uma vez, me mostraram um pouco de cocaína, eu só senti o cheiro de longe. Outra vez uma cantora me deu um cigarro de maconha. Fingi que fumei e dei uma de louco: ‘olha lá as estrelas, o céu’, falava. Enquanto ela estava tomada, aproveitei e transei com a moça”, lembra. “O pessoal das gravadoras às vezes me oferece cocaína, eu digo, agora não, acabei de tomar um leite.” Nas refeições, prefere carnes brancas, legumes, folhas, pouco arroz e mais feijão. Também mantém hábitos regrados. Mesmo se vai dormir às 3h, acorda às 8h. Faz exercícios na esteira, dá uns telefonemas, às 11h está almoçando e depois dorme do meio-dia às 16h. “Aí fico um leão. Quando piso no palco é como se tivesse tomado um remédio. A minha calma é tanta que chega a irritar os músicos. Não tenho nem pigarro”, confessa o barítono de 1,85m e 72 quilos, que permitem uma barriguinha disfarçável.

A vaidade de Cauby é proporcional ao seu talento. Já passou por três plásticas e, em breve, partirá para a quarta. Quer fazer uma lipo na papada e levantar um pouco a boca. “O (Ivo) Pitanguy disse que minha pele tem muita elasticidade.” Também cumpre rituais comuns de beleza com hidratantes, cremes e máscaras de clara de ovo com pepino. “Estica e deixa a pele lisinha durante muitas horas.” Com estas pequenas ajudas, nem de perto aparenta a idade que tem. Adivinhar a idade deste fluminense, aliás, demanda alguns esforços. Por motivo nenhum no mundo ele a conta. Faz parte da mitologia. Somente depois de muito papo relembrando passagens importantes da sua vida é que dá para fazer associações. Mesmo assim, esperto como é, quando percebe a intenção simplesmente diz que não lembra a data nem quantos anos tinha à época do tal fato. Mas Cauby está com 65 anos, completados em 10 de fevereiro, uma data em que literalmente some do mapa, hospedando-se em hotéis ou em casas de amigos que não mencionam o aniversário, que ele detesta fazer desde que, aos 16 anos, gravou o primeiro disco.

“Elas” – Contudo, existem outros motivos de regozijo. Um deles as mãos, que não estão enrugadas e são muito elogiadas por “elas”. O pronome feminino no plural é uma constante nas conversas com Cauby. “Elas” são fãs ardorosas, que cultivou ao longo dos anos e viraram suas amigas, espalhadas por todo o Brasil. São “elas” que lhe trazem os cosméticos de Paris ou Miami, ajudam a lotar o apartamento de flores artificiais e aumentam sua coleção de jóias e bijuterias excêntricas, algumas tão enormes quanto as usadas na velha corte francesa. “Elas” também lhe dão conselhos, que ele aprendeu a seguir com o “padrinho” e empresário Edson Collaço Veras, o antológico Di Veras, que não o deixava negar nenhuma foto para a imprensa. Por conta da determinação, afirma que foi “o mais fotografado do Brasil”.

Mas outros superlativos também colorem a carreira de Cauby Peixoto. Ele já contabiliza 222 gravações e regravações em 78 rpm, LPs de 10 e 12 polegadas, compactos simples e duplos, fitas cassetes e CDs. Talvez seja um dos poucos cantores cujo repertório preenche quase todas as letras do alfabeto, excetuando-se o K e o X. Só na letra C há 60 títulos. É onde está Conceição, com nove! gravações diferentes. Tanto é que virou seu prefixo, tão indissolúvel quanto a marca de seu nome na música popular brasileira.