Desde que Elizabeth Taylor se deixou picar por uma serpente em Cleópatra (1963), os milionários filmes épicos sobre o Império Romano viraram artigo fora de moda. Sumiram até mesmo das sessões da tarde da tevê, em que eram reprisados com pompa toda Semana Santa. Pois chegou a hora de rufar novamente os tambores. Na sexta-feira 19 estréia em todo o País Gladiador (Gladiator, Estados Unidos, 2000), superprodução de US$ 103 milhões, que traz de volta às telas os musculosos soldados de túnica, as bigas velozes e a perversidade de imperadores afetados. Sem falar das traições e vinganças políticas entremeadas por frases venenosas. Dirigido pelo inglês Ridley Scott, o filme significa para o até agora desprestigiado gênero o que Alien, o oitavo passageiro e Blade runner, caçador de andróides, ambos de Scott, representaram há duas décadas para a ficção científica. Só na sua estréia nos Estados Unidos, Gladiador faturou US$ 32,9 milhões, cravando a segunda maior bilheteria americana do ano num fim de semana.

O sucesso fulminante não se deve apenas à escolha para protagonista do ator neozelandês Russell Crowe, nova sensação de Hollywood que, depois de concorrer ao Oscar de melhor ator com O informante, temperou na medida certa talento e qualidades de galã viril para viver Maximus, general virtuoso e destemido a serviço do imperador romano Marcus Aurelius (Richard Harris). Muito mais que o carisma de Crowe, o que vem atraindo multidões à luxuosa arena concebida por Scott são as credenciais de blockbuster da fita. Só para se ter uma idéia, ao filmar a grandiosa cena de abertura, que mostra uma batalha entre romanos e bárbaros, incendiaram uma floresta inteira na Inglaterra. Na sequência de dez minutos, dez mil flechas e mais 1.600 lanças de fogo foram atiradas ao ar num admirável show pirotécnico. Os ecologistas só não chiaram porque o desflorestamento da área estava previsto há muito pelo governo inglês.

Figurino bélico – É claro que esses números estão relativamente longe dos exibidos pelo clássico Ben-Hur (1959), estrelado por Charlton Heston (leia quadro à pág. 140). Mas Gladiador reluz à sua maneira no quesito autenticidade. Uma variada coleção de elmos, armaduras feitas de espuma e mais de 2.500 armas enriqueceram com realismo o figurino bélico. A cenografia é outro ponto forte, especialmente no momento mais aguardado da trama, que mostra as sanguinárias lutas de gladiadores no Coliseu de Roma. Reconstruído em Malta, uma das quatro locações utilizadas, o estádio nasceu de mais um milagre digital. A equipe de cenógrafos levantou apenas um terço da primeira fileira da arquibancada de 16 metros de altura, que foi ocupada por dois mil figurantes. Graças aos efeitos especiais, no entanto, o Coliseu aparece em todo seu esplendor, com uma turba de 35 mil espectadores. O que dizer então das vistas aéreas da cidade eterna, naturalmente saídas de computadores, inspiradas em telas históricas do período napoleônico e no filme O triunfo da vontade, da alemã Leni Riefenstahl?


Mesmo que o entrecho, desprovido das tiradas irônicas dos melhores filmes do gênero, não acompanhe o esmerado visual, a história escolhida por Ridley Scott se revela bem interessante. Passada em 180 d.C., nos últimos anos do governo de Marcus Aurelius, o enredo segue os passos de Maximus, que vive uma série de provações. Indicado como sucessor ao trono pelo próprio imperador, ele passa a ser perseguido por seu filho-herdeiro Commodus (Joaquin Phoenix), que asfixia o pai num abraço ressentido. Depois do parricídio, Commodus passa a aterrorizar com ameaças a irmã Lucilla (Connie Nielsen) e se vinga de Maximus. O general, contudo, consegue escapar da emboscada, caindo em seguida nas mãos de um ex-gladiador, que o compra como escravo numa das províncias romanas. Ele é Proximo, interpretado por Oliver Reed, que morreu durante as filmagens e só manteve suas cenas até o fim graças aos truques de computador. Scott usou três tomadas diferentes de Reed, diálogos de várias sequências e digitalizou inclusive os movimentos da boca. Depois do encontro com o mercador, Maximus, com todos seus atributos de guerreiro, torna-se um gladiador adorado pela plebe até chegar nos famosos jogos de Roma.

Mau humor – O interesse de Scott pela figura durona do general não aconteceu propriamente pela história, mas por causa da cópia do quadro Pollice verso, do pintor francês oitocentista Jean-Léon Gérôme, na qual um gladiador aguarda o voto da multidão para matar seu oponente. A reprodução lhe foi apresentada pelo roteirista David Franzoni, que esteve às voltas com o projeto da fita desde os anos 70. Ele sabia que Scott, graduado pelo Royal College of Arts, de Londres, é um apaixonado por pintura e a visão talvez o sensibilizasse. Deu certo. Ao ver a obra, Scott foi fisgado e obviamente acabou reproduzindo-a na tela. É o momento-chave em que Maximus ganha a admiração do povo romano ao enfrentar Commodus, recusando-se a decepar a cabeça de um adversário. Conhecido por seu mau humor e por quase nunca rir em seus filmes, Russel Crowe, 36 anos, também se mostrou resistente durante as filmagens. Inspirado na leitura de Meditações, testamento filosófico de Marcus Aurelius, Crowe questionava os mínimos detalhes do roteiro e se enfurecia quando suas idéias a respeito do personagem não eram acatadas. Num de seus acessos, quase destruiu a casa em que estava hospedado no Marrocos. Queria que Maximus, por ter origem espanhola, falasse um inglês diferente do sotaque shakespeariano do filme. Também implicou até o final com a simples fala: “Eu sou Maximus, o gladiador, e me vingarei nesta ou na próxima vida.” Russel Crowe só deve tomar o cuidado para não ficar preso numa galeria de personagens tão conturbados quanto ele próprio.

Show do milhão

Pode parecer absurdo, mas filmes caríssimos como Gladiador somente são possíveis hoje em dia devido ao fato de custarem relativamente mais barato que as superproduções do passado. Ben-Hur (1959), por exemplo, de William Wyler, quase levou à falência a MGM, que desembolsou US$ 15 milhões, uma fortuna para a época. Em compensação, depois acumulou US$ 40 milhões e 11 Oscar. A saga do judeu rico que se torna escravo, vivida por Charlton Heston, empregou oito mil extras e mais de mil operários. Consumiu 300 cenários, inclusive o maior já feito até hoje, onde se dá a espetacular corrida de bigas de 20 minutos, ensaiada durante quatro meses. Hoje, muita gente se diverte mais com a amizade entre o romano Messala (Stephen Boyd) e Ben-Hur, que segundo o escritor Gore Vidal, um dos roteiristas do filme, tinha uma implícita conotação homossexual.

Cheio de subtextos é também Spartacus (1960), de Stanley Kubrick, no qual Kirk Douglas interpreta um gladiador líder de uma rebelião de escravos. Com roteiro de Dalton Trumbo, perseguido pelo macarthismo, a fita de US$ 12 milhões termina com uma impressionante batalha que levou seis semanas para ser filmada, reunindo 8.500 figurantes. Juntamente com Ben-Hur, Spartacus representa o auge do cinema épico hollywoodiano. No embalo das superproduções, em 1963 a Fox resolveu arriscar mais e colocou nas mãos de Joseph L. Mankiewicz US$ 44 milhões – que hoje equivaleriam a US$ 270 milhões – para que ele contasse a história de amor entre Cleópatra e Marco Antônio. Deu com os burros n’água. Mesmo trazendo o casal do momento Liz Taylor e Richard Burton, Cleópatra foi um dos maiores fracassos do cinema. Depois dele ninguém mais quis saber de filmes com sandália e toga. Só agora.