Nos três minutos de intervalo permitidos entre uma jogada e outra, um bom enxadrista consegue planejar seus lances à uma velocidade de dois movimentos por segundo. Se o jogador for o campeão mundial Garry Kasparov, essa capacidade é bem maior. Mas ainda assim muito distante dos 200 milhões de lances que o computador Deep Blue consegue calcular num único segundo. Ao final daqueles míseros três minutos, este supercomputador da IBM, que chegou a derrotar o campeão russo Kasparov em maio de 1997, foi capaz de analisar até 100 bilhões de jogadas. Só então a máquina define qual a melhor peça a ser movida no tabuleiro. É justamente esta desvantagem colossal que está sendo agora alvo de um barulhento protesto, organizado por enxadristas holandeses. Eles não admitem a participação desse tipo de máquina no seu campeonato nacional de xadrez, que acontece até o fim do mês em Roterdã.

O maior protesto partiu do grande mestre do país, Paul van der Sterren, que oficializou sua desistência quando soube que iria enfrentar um supercomputador, o Fritz SSS. Ao todo, 11 jogadores humanos disputam entre si um prêmio em dinheiro. Sterren está fora da bolada, apesar de ser um dos favoritos ao título. A celeuma em torno do enxadrista digital levanta discussões acaloradas desde 1993. O Deep Blue, o possante computador RS/6000 SP da IBM, foi construído em 1985 por uma equipe de três cientistas da universidade americana de Carnegie Mellon. O projeto contou com o auxílio de uma dúzia de especialistas e engenheiros da IBM. Sua missão científica original era conseguir executar simultaneamente milhares de complexos cálculos matemáticos. Além de eficiente cientista, o computador da IBM demonstrou mais tarde ser também um temível adversário quando o assunto é xadrez. Seus 256 chips processadores (comparáveis a igual número de PCs) podem ser programados para planejar exclusivamente as melhores jogadas.

O protesto dos holandeses aponta justamente para essa brutal e injusta diferença. Eles argumentam, com razão, que humanos e máquinas têm qualidades totalmente diferentes. “Nós, por exemplo, não podemos consultar anotações enquanto jogamos, diferente do computador, que mantém muita informação de consulta em sua memória eletrônica”, afirmam. Para recuperar a paz entre seus associados, a direção da federação holandesa dos enxadristas prometeu que, no ano que vem, o computador será barrado no campeonato. Kasparov seguiria o exemplo de Sterren? Esse tipo de competição deveria ser exclusivo de humanos? Afinal, máquinas e computadores foram feitos para servir o homem, não para derrotá-lo de forma humilhante.