Queixas contra planos de saúde vindas de pacientes são comuns. Agora, chegou a vez de os médicos reclamarem. Preços baixos pagos por consulta e pressão para que o profissional deixe de fazer exames são alguns dos problemas que a classe vem enfrentando na sua relação com as empresas de medicina de grupo. Disposta a virar o jogo em favor dos profissionais e dos doentes, a Associação Paulista de Medicina decidiu botar a boca no trombone. A idéia é de que, quanto mais informação, mais fácil para a população escolher o plano que mais respeita o médico, e também o paciente. Para falar desse relacionamento, ISTOÉ ouviu o anestesiologista José Luiz Gomes do Amaral, 50 anos, presidente da APM.

ISTOÉ – Quais os problemas que os médicos estão enfrentando?
José Luiz Gomes do Amaral – Muitos planos e seguros transformaram-se em grandes negócios e embutiram um lucro considerável. E para aumentar essa margem começaram a limitar os gastos. Primeiro, diminuindo a amplitude da cobertura. As restrições à cobertura tornaram-se tão importantes que exigiram uma regulamentação. Mas isso impediu que a margem de lucro avançasse. Os planos procuraram outra maneira de continuar ganhando: fazer com que o médico gaste menos e custe menos.

ISTOÉ – De que forma?
Amaral – A maioria dos planos paga menos de R$ 20 por consulta. Mas vários, que praticavam valores diferenciados de consulta, de acordo com o plano do segurado, resolveram pagar exatamente a mesma coisa. No ano passado, fomos surpreendidos pela Marítima Saúde, que padronizou os preços. Independentemente da qualidade do profissional e do plano do segurado, o valor da consulta, que antes variava de R$ 20 a R$ 40, passaria a custar só R$ 24.

ISTOÉ – Que outras medidas os planos estão tomando?
Amaral – Eles simplesmente resolvem não pagar determinados procedimentos. O médico faz uma consulta na qual está incluído um eletrocardiograma. E na hora de cobrar, eles dizem que o exame não será pago e você tem de explicar por que fez o exame. Isso ficará em discussão mais uns seis meses e depois eles me descredenciam. E o crédito posso receber se os acionar na Justiça.

ISTOÉ – Discute-se com quem as questões técnicas?
Amaral – Os planos têm auditores, que são médicos. Muitos recebem ordens para cortar despesas. Se existe médico que está gastando mais do que acham que deveria, eles o descredenciam. Como você sabe que corre o risco de ser descredenciado, fica sob a pressão de: será que peço esse exame?

ISTOÉ – Mas há casos em que o médico deixa de fazer exame?
Amaral – Isso já é mais difícil saber porque ninguém vai dizer que cedeu à pressão. E agora está surgindo outro tipo de pressão, ainda mais perversa. Você é estimulado a se organizar numa estrutura jurídica. Faço um contrato para dar assistência a cinco mil segurados. E receberei de acordo com o número de pessoas que atenderei. Viverei dois, três meses com os horários do meu consultório tomados. No entanto, todas as despesas correm por minha conta. Se um doente tiver de ser internado, deduz do quanto receberei. Você fica numa posição de que quanto menos exame tiver, menos intervenção, melhor. Se for pedir muita coisa, fica no prejuízo.

ISTOÉ – Limita-se a internação?
Amaral – Como a lei limita isso, a pressão se faz agora de maneira velada. Vai o auditor do plano e diz que o cliente tem que ter alta. E o plano liga para o dono do hospital e diz que o doente precisa ter alta. E o dono do hospital diz para o médico que ele precisa dar alta senão serão descredenciados.

ISTOÉ – Há mais artimanhas?
Amaral – Chegamos a um ponto de um plano de saúde dizer que, se você internar uma paciente para um parto numa maternidade de segunda linha, você receberá mais. O plano começou a oferecer vantagem para o médico para pagar menos o hospital.

ISTOÉ – E os médicos aceitaram?
Amaral – Houve quem aceitasse. Não é ilícito, mas é perverso, com o médico e com o paciente.

ISTOÉ – O paciente está sendo muito prejudicado pelas limitações?
Amaral – Muito, com certeza.

ISTOÉ – Mas não há um problema ético do médico em aceitar isso?
Amaral – Como você vai saber até que ponto ele está cedendo ou não? Mas acho pouco provável que os planos de saúde consigam progredir se não houver alguém que ceda a essa pressão.

ISTOÉ – Como fica esse médico eticamente?
Amaral – Fragilizado.

ISTOÉ – Por que os médicos chegaram nessa posição de subserviência?
Amaral – Há um número excessivo de médicos, sobretudo daqueles que não têm acesso a qualificação completa. Ele se submete ao que o mercado oferece. E o segundo fator é o isolamento do médico. Durante anos ele viveu a idéia de que era dono de sua vida. Agora ele entende que tem de se adaptar a uma realidade de concorrência.

ISTOÉ – O que a associação fará?
Amaral – Contar o que estamos vivendo. Contar que o plano da Samcil paga R$ 10,50 a consulta, que a Marítima fez o que fez. E a população escolherá o melhor plano. Não são todos que fazem isso.

ISTOÉ – Como escolher o plano?
Amaral – Optar por um que permita escolher o médico e onde fazer o exame. E ver quanto ele paga por consulta. Sugiro também que a pessoa pegue o caderno de médicos credenciados com o corretor, escolha algumas especialidades e telefone para dez médicos. Se eles continuam credenciados, ótimo. Se nove não estão mais conveniados, o plano é muito ruim porque troca os médicos a todo momento.

ISTOÉ – Qual plano o sr. não faria jamais?
Amaral – O Unicor. Ele não paga vários médicos há mais de seis meses. E o da Samcil, que paga R$ 10,50 a consulta.