Depois de ameaçar pôr as Forças Armadas na rua para combater o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o governo optou por ficar mais perto da estratégia política do que da militar. Deu um passo para trás no confronto e jogou na divisão dos movimentos que lutam pela terra. Enquanto cobrava do MST o prejuízo causado pelas ocupações de prédios públicos, o presidente Fernando Henrique Cardoso afagava outras entidades ligadas aos sem-terra. Na quarta-feira 10, o presidente recebeu Manoel dos Santos, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e lideranças dos Movimentos de Libertação dos Sem-Terra (MLST) e da Luta Pela Terra (MLT), além do presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho. “Não queremos ser inocentes úteis para ajudar o governo a dividir a mobilização dos trabalhadores”, avisou o sindicalista. Vicentinho pediu a FHC que recebesse também os líderes do MST.

O governo, que há uma semana baixou um pacote antiocupações na intenção de sufocar as ações do MST, acabou atendendo parte das reivindicações das outras entidades e anunciou, entre as medidas, o aumento de R$ 2,5 bilhões no orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário, capitaneado por Raul Jungmann. Na véspera do encontro, representantes de vários movimentos sociais e partidos de oposição reuniram-se em São Paulo. Contag e MST decidiram jogar para debaixo do tapete as suas diferenças. “As arestas foram aparadas. Estamos unidos e não vamos permitir o isolamento do MST”, disse Eloísa Gabriel, da coordenação nacional da Central de Movimentos Populares. Mas não foi apenas o governo que recuou. Depois de recusar-se a negociar com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Amaury Bier, o MST deu claros sinais de que agora a proposta seria bem-vinda.

Nota de protesto – Na conversa que teve com FHC, o presidente da CUT pediu explicações sobre a decisão tomada pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação, Andrea Matarazzo, de impedir que a TV Educativa transmitisse para o Rio de Janeiro, o Distrito Federal e mais oito Estados o programa Opinião Brasil, com a entrevista do coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, que foi ao ar na sexta-feira 5, em São Paulo e em outros 15 Estados, transmitido pela TV Cultura. O presidente respondeu a Vicentinho que não teve nada a ver com a decisão. O conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, integrado por amigos de FHC, reuniu-se e produziu uma nota de protesto contra a atitude do ministro, que chegou a ser criticado também pelo colega da Justiça, José Gregori. Matarazzo tentou convencer Jorge da Cunha Lima, presidente da Fundação, mantenedora da TV Cultura, a não pôr a entrevista no ar, argumentando que uma emissora educativa não poderia veicular o pensamento de “um indiciado”.

No programa censurado, Stedile defendeu o MST da acusação de ser um movimento radical, que ameaça o Estado de Direito e a democracia. Negou que tenha havido depredação ao patrimônio durante a ocupação de prédios públicos e acusou o ministro Jungmann de fazer marketing com os números da reforma agrária. O líder defendeu a luta contra a mudança do modelo econômico por ser, segundo ele, um dos vilões do desemprego e do empobrecimento do campo. Stedile rebate a tese de que o MST está isolado. “Isso é artimanha da propaganda oficial e que a imprensa repete. Recentes pesquisas mostram que 56% nos apóiam, contra 14% para o governo. Quem está isolado?” O programa que tem menos de 1 ponto de audiência acabou ganhando projeção nos noticiários mais importantes do País.