A queda na temperatura anuncia a chegada de uma temporada pouco confortável para muita gente. É epoca de as pessoas sofrerem mais com espirros, tosse e outras manifestações desagradáveis, consequências das chamadas doenças de inverno. Ou seja, males que atacam com maior agressividade nos meses mais frios do ano. Entre eles, estão a rinite, a asma e a gripe. E não são poucos os nocauteados por essas enfermidades. De acordo com o alergista Fábio Castro, coordenador do Ambulatório de Alergia e Imunologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, 85 milhões de brasileiros padecem de algum tipo de doença que afeta o sistema respiratório. Mas, nos próximos meses, esse número crescerá. “O total de pessoas atingidas por crises de alergia respiratória, vírus e bactérias que provocam desde gripes até pneumonia aumenta 40% de agora até o final da estação, em setembro”, calcula o pneumologista Clystenes Soares, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Essa estimativa já é assustadora. Mas o quadro fica ainda pior quando se sabe que os inimigos estão mais fortes. Bactérias como o Pneumococo (causador de pneumonias) estão sobrevivendo às drogas mais poderosas. Por isso, foram apelidadas de superbactérias. Uma das razões do surgimento desses bichos fortalecidos é o uso indevido de antibióticos. Se os remédios forem consumidos em doses e em tempos menores do que o receitado, apenas parte dos microorganismos morre. Os mais resistentes se mantêm e se multiplicam, criando uma geração capaz de enfrentar melhor os antibióticos. Cientistas estudam de perto esses agressores e estão de olho em outra ameaça que em breve estará rondando o planeta: uma versão mais poderosa do Influenza, o vírus da gripe. Em geral, todo ano esse microorganismo modifica algumas de suas características. Por isso, ele apresenta sintomas diferentes a cada temporada. Mas há mutações maiores do Influenza que ocorrem em espaços de cerca de 30 anos. Ele troca completamente alguma de suas proteínas, mudando de aparência. Assim, o vírus pega o organismo desprevenido e traz o risco de grandes surtos de gripe. O último ataque desse tipo aconteceu em 1968. Foi a famosa gripe de Hong Kong. Houve quem acreditasse que o potente Influenza chegaria no final de 2000, quando uma onda de gripe violenta atacou o Hemisfério Norte. Mas foi alarme falso. “Era um tipo de Influenza conhecido”, diz o infectologista Eduardo Forleo, diretor do Vigigripe, serviço ligado à Unifesp encarregado de monitorar a manifestação do vírus no Brasil. Isso quer dizer que o superbicho ainda vai dar as caras.

Para piorar, o ser humano está mais vulnerável aos ataques por causa do stress, da má alimentação e do sedentarismo. Nessas condições, o sistema de defesa do organismo perde força, abrindo flancos para a ação de microorganismos. A qualidade do ar também contribui para essa fragilidade. O excesso de poluentes obriga o corpo a um esforço extra contra os inimigos. “Exposto constantemente à necessidade de filtrar partículas sólidas em suspensão no ar, atividade para a qual não estamos tão preparados, o organismo se cansa da tarefa e responde com mais lentidão aos pedidos de defesa”, explica o infectologista Artur Timerman, de São Paulo.

Além do fortalecimento de vírus e bactérias e da crescente fragilidade do homem, a natureza também conspira para aumentar a incidência das doenças respiratórias. Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, o inverno é mais seco, provocando o ressecamento das mucosas, membranas que protegem estruturas como boca, nariz e pulmões. Elas produzem muco, secreção que envolve microorganismos ou partículas estranhas que entram no corpo. A substância é eliminada pelas narinas, por exemplo, ou absorvida pelo sistema digestivo. Dessa forma, expulsa também os invasores. Ressecadas, as membranas não trabalham como deveriam. O frio atrapalha ainda o movimento dos cílios que revestem o sistema respiratório e ajudam a expulsar o muco.

Outro fenômeno climático afeta a saúde nesta época: a inversão térmica. Comum em metrópoles como São Paulo, o evento se dá quando uma camada de ar frio se forma sobre a cidade, dificultando a dispersão de poluentes. Além de exigir mais esforço do corpo, a sujeira no ar desencadeia crises de doenças como asma e rinite, já que um dos gatilhos para deflagrar esses males é a presença de poeira. A menina Anna Giulia Buscatti, 12 anos, é vítima do fenômeno. Seu pai, Júlio Cesar, 42 anos, notou que a filha ficava com o nariz congestionado e os olhos lacrimejantes no inverno. “A rinite de Anna se manifesta por causa da poeira”, conta.

No Nordeste, a temperatura se mantém alta, mas a incidência dos problemas respiratórios também aumenta. Isso porque, na região, o inverno é caracterizado por muita chuva (já no Norte a época mais úmida estende-se de novembro a maio, quando ocorre o pico das doenças). A umidade facilita a proliferação de agentes que provocam alergia, como os fungos. Por causa do tempo chuvoso, as pessoas ficam mais confinadas, a exemplo do que acontece nas regiões onde o frio é intenso. “Em aglomerações, a transmissão de doenças como a gripe é maior”, diz a médica Heloísa Ramos, do Hospital das Clínicas do Recife. Se os sistemas de ventilação de locais cheios de gente não são limpos, a situação se agrava. Para o médico Hermano Rodrigues, da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio, em condições ruins eles funcionam como viveiros de vírus e bactérias.

Mas é possível armar-se contra as ameaças. Da mesma forma que organizamos o guarda-roupa para o inverno, o corpo também deve ser preparado. Comer de modo equilibrado – o que significa incluir no prato porções de vegetais e muita fruta – fornece ao organismo os nutrientes necessários para manter em dia os mecanismos de defesa. Já a prática regular de uma atividade física funciona como uma espécie de lubrificante do sistema imunológico. “A oxigenação melhora a limpeza das vias respiratórias”, afirma o infectologista Timerman. O médico colocou a receita em prática dentro de casa. Ele convenceu a filha Gabriela, 17 anos, a se exercitar. A menina joga futebol e tênis e acredita nos benefícios. “Fiz também natação e passei a me resfriar muito menos”, conta.

Fazer sexo é mais um aliado. Estudo publicado pela revista New Scientist mostrou que fazer sexo duas ou três vezes por semana aumenta a presença de um anticorpo, a imunoglobulina, que coloca o corpo em estado de alerta contra os invasores. Além disso, cuidados como manter uma bacia de água em locais onde há ar condicionado são reforços na prevenção. “A evaporação da água melhora a umidade do ar”, explica Timerman. Outra forma de preparar-se contra os inimigos é a informação. ISTOÉ elaborou um guia que explica cada doença que se manifesta mais agressivamente nestes dias gelados e a melhor maneira de enfrentá-la.

RESFRIADO

O QUE É: Infecção diferente da gripe. Em geral, é causada pelo adenovírus e o rinovírus, mas existem cerca de 200 variações de microorganismos que dão origem ao resfriado.

SINTOMAS: Ataca principalmente o nariz e a garganta. Os sintomas mais comuns são espirros, coriza nasal e tosse. Raramente dá febre ou dores no corpo. A recuperação ocorre em dois ou três dias.

TRATAMENTO: Pode-se recorrer a drogas que amenizam os sintomas, como os descongestionantes. Recomenda-se fazer repouso e beber muito líquido. Se durar mais de três dias, consulte o médico. Resfriados mal tratados podem dar origem a otites (inflamação de ouvido), facilitar a entrada do vírus da gripe e dos microorganismos causadores da pneumonia e propiciar o surgimento de sinusites (inflamação dos seios da face causada pelo acúmulo de muco)

PREVENÇÃO: Exercícios regulares, boa alimentação e descanso. Evite lugares fechados e cheios.

 

GRIPE

O QUE É: Infecção respiratória causada pelos vírus Influenza tipos A e B. É altamente contagiosa. Os vírus geralmente penetram no organismo pelas mucosas da boca, nariz e olhos.

SINTOMAS: Variam conforme as mutações sofridas pelo vírus na temporada. Em geral, há um cansaço extremo, febre por dois ou três dias, dores no corpo, de cabeça e na garganta, coriza. A melhora ocorre depois de três a cinco dias.

TRATAMENTO: Antibióticos não causam nem cócegas no Influenza. Essas drogas só têm efeito contra bactérias. Podem-se usar analgésicos para aliviar a febre e as dores no corpo e também descongestionantes. Há dois medicamentos contra o vírus da gripe: o Tamiflu (princípio ativo oseltamivir) e o Relenza (princípio ativo zanamivir). “Essas substâncias inibem a ação de uma enzima que permite a entrada do vírus na célula e sua multiplicação”, explica o infectologista Eitan Berezin, da Santa Casa de São Paulo. Os remédios diminuem o tempo de duração da doença. Recomenda-se usá-los logo nos dois primeiros dias de aparecimento dos sintomas. Além disso, está previsto para o ano que vem o lançamento da primeira vacina nasal contra o Influenza. “Dada na forma de spray, ela evita a picada, o que pode ser uma ajuda para crianças mais sensíveis e adultos com aversão a injeções”, completa Berezin, que já está testando a vacina em 300 crianças brasileiras. Se não for bem tratada, a doença facilita a instalação de sinusite, por exemplo, e pneumonia.

PREVENÇÃO: Boa alimentação, beber muita água, fazer exercícios e dormir bem. A vacina também reforça a imunidade. Ela é aplicada gratuitamente em idosos acima dos 60 anos nos postos de saúde da rede pública. Mas pode ser usada por todos e está disponível em clínicas particulares. Antes de vacinar crianças, consulte o pediatra. “Sugiro apenas para as que têm riscos maiores”, orienta Eduardo Troster, do Hospital Albert Einstein. A vacina deve ser renovada anualmente.

PNEUMONIA

O QUE É: Infecção ocorrida nos pulmões que desencadeia uma inflamação dos alvéolos, estruturas do órgão onde acontecem as trocas gasosas e a oxigenação do sangue. Existem vários agentes que podem causá-la. Normalmente, é provocada pela bactéria Pneumococo, mas ainda é deflagrada pelas bactérias Meningococo ou Haemophilus influenzae. Pode ser causada por vírus que atacam as vias respiratórias. Surge independentemente da gripe, mas a presença do vírus Influenza abre as portas do corpo, especialmente para o Pneumococo.

SINTOMAS: Sempre que os sintomas mais intensos de uma gripe persistem por mais de três dias, os especialistas desconfiam da presença do Pneumococo. Os mais comuns são febre alta, fraqueza e mal-estar. O paciente também pode ter dores no tórax, tosse forte, catarro e calafrios quando a doença é causada pela bactéria. Especialistas afirmam que o lacrimejamento é indício de pneumonias causadas pelo Haemophilus influenzae ou Meningococo.

TRATAMENTO: Antibióticos e repouso. Mal tratada, exacerba doenças respiratórias crônicas, como a asma, e pode ser fatal.

PREVENÇÃO: Além dos cuidados regulares com a saúde, as vacinas são a melhor forma de se prevenir. São aconselháveis para pessoas com baixa imunidade, doenças respiratórias crônicas, problemas renais ou idade acima dos 65 anos. Os infectologistas recomendam que se tome a vacina antigripal anualmente e, a cada cinco anos, a vacina contra o Pneumococo e Haemophilus influenzae. Crianças podem ser vacinadas contra Pneumococo na rede pública a partir dos dois anos. Nas clínicas particulares, está disponível a vacina Prevenar, dada em crianças acima de dois meses de idade, em quatro doses. Cada dose custa cerca de R$ 160.

 

MENINGITE

O QUE É: Inflamação das membranas que envolvem o cérebro (meninges). Elas aumentam de tamanho e podem produzir pus. A forma mais perigosa da doença é causada pela bactéria Meningococo, transmissível pelo ar (o mal também é provocado pelas bactérias Pneumococo e Haemophilus influenzae). Mas há também meningites virais. Entre os vírus causadores do mal estão os da caxumba e os da herpes.

SINTOMAS: Na forma meningocócica, os sintomas são rigidez na nuca, dores de cabeça e vômitos em jato. O diagnóstico é feito por meio do exame do liquor, líquido da medula espinhal, em geral transparente. Na presença da inflamação, ele fica turvo. Os sintomas da meningite viral são os mesmos da bacteriana, mas de modo mais brando.

TRATAMENTO: O tipo meningocócico é tratado com antibióticos. O viral é combatido com repouso, analgésico e antitérmico. Quando a inflamação das meninges, causada por bactéria ou vírus, atinge o cérebro, pode causar lesões e sequelas graves, como cegueira, surdez, paralisia, ou serem fatais.

PREVENÇÃO: Crianças com dois anos devem ser vacinadas contra as formas A e C de meningite meningocócica. No próximo semestre, chega ao País uma vacina para crianças a partir dos dois meses de idade. Adultos devem se vacinar se houver ameaças de surtos.

RINITE

O QUE É: É a mais comum das alergias respiratórias e provoca inflamação das vias aéreas. Causa inchaço da mucosa nasal e dos seios da face e dificuldade para respirar. Crises podem ser desencadeadas por fatores como perfumes, frio e ácaros.

SINTOMAS: Coriza, coceira no nariz e nos olhos e espirros.

TRATAMENTO: Serviços especializados em alergia oferecem testes para identificar os causadores das crises. “O exame leva 20 minutos e é importante para estabelecer o tratamento”, afirma a recepcionista Silvana de Oliveira, 28 anos, que obteve a confirmação de uma forte alergia à poeira. “Tomo antiinflamatórios para diminuir as reações”, conta. Depois de diagnosticada a causa, ela pode ser combatida em várias frentes. A primeira é se afastar das causas, mas podem-se usar antiinflamatórios, como fez Silvana. Muitos recorrem a vacinas feitas com partículas do agente que causa a alergia. A paulista Helena Francischini, 52 anos, iniciou um tratamento com essas vacinas. “Tomo doses semanais de vacina para atenuar minhas reações a cães, gatos e ácaros. As crises cessaram”, confirma. Helena tomou a primeira dose numa clínica, sob a supervisão do especialista, para observar se havia risco de reações alérgicas intensas, como o choque anafilático, que pode matar.

PREVENÇÃO: A higiene do ambiente é indispensável. Pessoas sensíveis devem eliminar tapetes, cortinas de tecido e brinquedos de pelúcia. Dessa forma, diminui-se a presença dos agentes que mais costumam detonar as crises.

 

BRONQUITE

O QUE É: Inflamação nos brônquios (estrutura situada no tórax que canaliza o ar para os dois pulmões). É causada pela exposição prolongada a agentes agressores, como a poluição do ar e o cigarro. O brônquio incha e suas paredes liberam um muco espesso, dificultando a respiração. Se a pessoa continuar sob efeito desses agentes, a bronquite pode tornar-se crônica. Gripes facilitam as crises. Pode evoluir para o enfisema, doença pulmonar grave.

SINTOMAS: Muita tosse, geralmente acompanhada de catarro amarelado ou esverdeado e falta de ar constante.

TRATAMENTO: Antiinflamatórios e antibióticos. Exercícios melhoram a respiração.

PREVENÇÃO: O eletricitário Antônio Oliveira, 51 anos, de São Paulo, faz ginástica respiratória para limpar os brônquios. “Forço meu pulmão a usar toda a sua capacidade. Tenho uma língua-de-sogra para fazer exercícios quando não me sinto bem”, diz. Ele aprendeu os movimentos com a fisioterapeuta Maria Cristina Lanzilloti, especialista no tratamento. “A ginástica respiratória aumenta a capacidade dos pulmões e a da expectoração”, explica.

 

ASMA

O QUE É: Também é uma inflamação que ocorre no sistema respiratório – do nariz aos brônquios –, mas tem algumas diferenças em relação à bronquite. Uma das principais é a ocorrência dos broncoespasmos, ou seja, contrações dos músculos que cercam os brônquios. A consequência é a dificuldade para a passagem do ar e para a respiração. As crises surgem quando a pessoa entra em contato com certos agentes desencadeantes (gatilhos), como poeira, ácaro, fumaça de cigarro e poluição. As emoções também estão entre os fatores que podem deflagrar crises. A asma tem origem genética e pode se manifestar em qualquer momento da vida. Ataca 10% da população e pode ser leve, intensa ou moderada.

SINTOMAS: Tosse seca, chiado no peito quando se faz algum tipo de esforço, como correr ou rir, dificuldade de respirar, broncoespasmos.

TRATAMENTO: Ao contrário da bronquite, a asma é uma doença que reage muito bem ao uso dos broncodilatadores, usados para relaxar os músculos dos brônquios quando sofrem os espasmos. O tratamento requer prevenção à base de antiinflamatórios de vários tipos (entre eles a cortisona), tomados diariamente, para evitar a inflamação e a obstrução das vias aéreas. Tanto os broncodilatadores como os antiinflamatórios podem ser ministrados em spray (as chamadas bombinhas). Hoje existem bombinhas que combinam os dois tipos de medicamentos. Também estão surgindo novas formas de utilização das bombinhas, com sistemas de aplicação que permitem que os remédios cheguem mais rápido aos brônquios. Só o médico pode orientar a utilização correta das bombinhas para prevenir efeitos indesejáveis.

 

Consultoria: Fábio Morato Castro, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Produção: Lívia Mund. Modelo: Juliana Cesar. Cabelo e Maquiagem: J.R.O. Santos. Agradecimentos: Corpo de Bombeiros de São Paulo