A vida em sociedade é a única alternativa para o homem civilizado? Algumas pessoas acham que não. Mas ainda sobrevivem alguns idealistas, resistindo à corrente e anunciando um mundo mais confortável para todos. O veterinário Romeu Mattos Leite, por exemplo, juntou-se a quatro amigos e abandonou sua vida em Londrina, no Paraná, para dedicar-se a um sonho: construir uma comunidade ideal. O projeto já completou 12 anos e está localizado em Jaguariúna, no interior de São Paulo. Seu nome? Vila Yamaguishi ou Vila da Felicidade, a primeira sede da Sociedade de Yamaguishismo em terras brasileiras.

Tudo começou no Japão, onde Romeu e seus quatro colegas foram apresentados à filosofia de Myoso Yamaguishi, responsável pela criação do movimento batizado com seu sobrenome, ainda nos anos 50. Os brasileiros passaram dois anos na mais famosa comunidade yamaguishista do mundo, a Vila Toyosato, que abriga dois mil moradores no Japão. Quando voltaram ao Brasil, estavam decididos a imitar os japoneses e prontificaram-se a arrumar uma fazenda. Gastaram suas últimas economias na compra do terreno de 60 hectares e penaram durante quase três anos, até que foram salvos por 20 galinhas. “Tomávamos um ônibus para Campinas e oferecíamos ovos de porta em porta. Nas casas de quem se dispusesse a consumi-los, passávamos a entregar semanalmente.” Com o tempo, o dinheiro obtido com a avicultura foi aplicado na construção de um grande aviário. Os chamados Ovos da felicidade começaram a ser produzidos em larga escala; o ônibus de linha foi substituído por um veículo particular, e os moradores da fazenda já capitalizavam plantações de diversas qualidades de verduras e legumes. Hoje, seus ovos são encontrados em muitos supermercados e outros produtos podem ser encomendados para entrega em domicílio. A fatura entra para um caixa único, ao qual os moradores têm livre acesso.

São 52 os moradores da vila, 40 adultos e 12 crianças. Todos conhecem bem os princípios que regem seu dia-a-dia e arriscam análises sociais e suposições para o futuro. “É impossível termos uma felicidade completa enquanto houver pessoas infelizes”, resume Romeu. Preocupados em disseminar sua filosofia e atrair seguidores de suas propostas, os moradores oferecem cursos e visitas monitoradas pela vila. Até um site foi desenvolvido para repetir lemas como “o mundo é único e somos todos habitantes da mesma casa”. Segundo Marceline Minowa, que deixou a Suíça para acompanhar o marido na implantação da vila brasileira, nada deve ser feito contra a própria vontade. “Por isso, perguntamos como o visitante se sentiu após cada atividade”, explica. A regra é refletida na educação das 12 crianças da vila. “Consideramos bom para o nosso filho o que, na verdade, é bom para nós mesmos”, diz José Antônio Sestelo, pai de Clarinha, oito anos, justificando a extrema liberdade dedicada às crianças. Lá, quando se atinge uma idade mínima, por volta de sete anos, a criança deixa a casa dos pais e vai morar em uma casa especial, onde dormem apenas colegas de sua faixa etária. “Todos são filhos de todos. As responsabilidades são divididas e as próprias crianças chamam os adultos de pai e mãe”, conta Romeu. Crianças que visitam a vila, como Fada Liz, quatro anos, adoram a liberdade e curtem a convivência estreita com os animais.

No fluxo inverso de Romeu e seus amigos, Aya Yamauti deixou o Japão e desembarcou no Brasil com seu marido, Daisuke. Aos 26 anos, já percorreu muitas das 40 comunidades existentes em seu país e veio passar uns meses no Ocidente. Aya poderia escolher outros seis endereços: Estados Unidos, Suíça, Alemanha, Austrália, Tailândia e Coréia, onde existem outras vilas como a de Jaguariúna. Ela, que nasceu em uma vila yamaguishi com 40 moradores, espera estender o limite de seu visto de permanência. “O Brasil tem uma enorme variedade de frutas e verduras, enquanto, no Japão, é tudo importado”, afirma. A vigorosa lavoura da comunidade segue os mesmos preceitos que norteiam as atividades humanas: a vida deve ser confortável para cada um dos produtos. Tanto que as galinhas dividem seus “quartos” com parceiros do sexo oposto e vivem livres de antibióticos e hormônios.

Lição – Quem visita a Sociedade Yamaguishi costuma chegar ressabiado com o mistério das atividades. Mas depois de alguns dias refletindo, todos deixam a comunidade repensando o cotidiano e pondo em dúvida muitas de suas certezas. Marcelo Coimbra, que passou oito dias na fazenda, diz ter sido contaminado por tudo o que aprendeu sobre bem-estar, harmonia e solidariedade. “A gente se cobra para utilizar o Kensan (método de reflexão oriental) e acaba conseguindo espontaneamente quando pára de se preocupar.”
A anfitriã Marceline Minowa garante que não é preciso morar na vila para descobrir o segredo da felicidade. “Qualidade de vida existe em qualquer lugar, na cidade de São Paulo ou no campo”, ensina. E o caminho das pedras para uma vida saudável na cidade grande é apontado por Daniel Pedroso, estudante de Arquitetura: “Em vez de comer caviar e acumular dinheiro, pode-se almoçar um belo bife a cavalo, trabalhar quatro horas em vez de oito e aproveitar melhor o dia.” Para quem pode…