Por que você quis ter filhos? Ou então por que deseja tê-los? Se hoje essas questões são permitidas para a maioria dos homens e das mulheres, até a década de 50, um jovem casal praticamente não se perguntava sobre a possibilidade de não ter crianças. Elas eram consequência natural da união. A ida da mulher para o mercado de trabalho e o movimento feminista, que considerava a maternidade uma opressão, começaram, no entanto, a desenhar um ponto de interrogação nessa função que parecia sacramentada. O surgimento da pílula anticoncepcional, que completou 40 anos na semana passada, serviu para aumentar ainda mais esse questionamento. Finalmente os casais tinham ao seu alcance um método bastante eficaz de contracepção. Podiam, então, escolher com mais liberdade entre ter e não ter filhos.
E a opção da maioria foi continuar procriando. É verdade que numa velocidade mais lenta. Nos últimos anos, a taxa de fecundidade (número de filhos por mulher) no Brasil está em queda. Na década de 50, o índice era de 6,2 filhos. No início dos anos 90, caiu para 2,9 e hoje está em torno de 2,4. O fenômeno também acontece nos países ricos. Ocorre não porque se rejeita a idéia de filhos, mas porque se aposta na redução do número de crianças por família. Deseja-se menos para poder dar mais. O demógrafo Celso Simões, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), explica que nas áreas urbanas é caro manter uma família, e os pais precisam investir em educação e saúde. “Esses fatores pesam na hora de um casal decidir ter mais filhos”, diz. De fato, se colocado na ponta do lápis, uma criança de três anos, filha de pais de classe média, custa uma soma considerável. Gastos com alimentação, escola, roupas e lazer facilmente chegam a R$ 500 por mês.

Motivações – Mas, por incrível que pareça, a vontade de ter filhos permanece. O que leva o ser humano a manter esse desejo? Como entender, por exemplo, por que um casal jovem, no auge da carreira profissional, financeiramente estabilizado, acostumado a uma rotina de viagens e outros prazeres típicos da vida a dois, resolve apostar num filho e virar sua vida de cabeça para baixo? A primeira razão, talvez a mais óbvia, seja o arraigado instinto de preservação da espécie, que estimula todos os animais, inclusive o homem, a procriar. É uma questão de sobrevivência. No entanto, a explicação não basta. Há muitos outros motivos envolvidos nessa decisão. A psicóloga Ida Kublikowsky, professora da PUC de São Paulo, explica que, além do fatores biológicos, há os culturais e sociais. “Existe um desejo de continuidade. Filho é transmissão. É manutenção da espécie e da cultura”, diz. O casal de comerciantes Rosana Ortiz, 39 anos, e Luiz Carlos de Barros, 50, concorda. Pais de três crianças (Vitor, nove anos, Marília, oito e Júlio, cinco), eles sempre almejaram uma família numerosa. “Filhos são o futuro. Dão a certeza de que existirá o amanhã”, afirma Rosana. “Não deixaria de tê-los porque o mundo está louco e a vida complicada. Ainda acho melhor viver do que não viver.” A professora de ginástica Andrea Kloeble, 37 anos, mãe de Alex, oito anos, Eric, seis e Nicole, dois, acredita que uma das maiores realizações da mulher é ser mãe. “Sempre quis ter filhos. É uma delícia acordar de manhã e beijar as crianças. Cada momento é uma alegria diferente”, diz Andrea.

Além de representar alegria, filhos também continuam a ser vistos como símbolos da consolidação do casamento. Tanto é que muita gente costuma colocar em dúvida a durabilidade de uma relação sem crianças. É como se um bebê representasse um selo de união mais duradoura, embora todos saibam que não isso é verdade. “Filho simboliza a consolidação do casamento”, opina o ginecologista Paulo Olmos. Além disso, mesmo que inconsciente, há o desejo masculino e feminino de testar sua fertilidade. “O casal também quer experimentar sua capacidade de gerar filhos”, explica a psicóloga Magdalena Ramos, autora do livro E agora, o que fazer? A difícil arte de criar os filhos, em conjunto com o pediatra Leonardo Posternak. E não se pode esquecer que a maioria das sociedades – seja nos confins do Oriente ou nos mais modernos países do Ocidente – está baseada nos núcleos familiares.

Foto: Alex Soletto

Continuidade Com os três filhos, os comerciantes Rosana e Luiz Carlos concretizaram o projeto de dar sequência à família

Num mundo basicamente patriarcal, ainda cabe à mulher cuidar das crianças. A novidade é que os homens parecem estar mais interessados em ter e ficar perto dos filhos. A prova de que o instinto de paternidade começa a ganhar mais força é que alguns homens batem na porta de clínicas de reprodução humana à procura de ajuda para se tornarem pais, mesmo não tendo uma esposa. A médica Silvana Chedid, diretora da Clínica de Reprodução Humana do Hospital da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, já atendeu rapazes solteiros interessados em ter filho. “Isso mostra o quanto o desejo continua valendo”, acredita.

Não são só os homens. Nunca tantos casais procuraram auxílio médico para driblar a infertilidade. No Centro de Medicina Reprodutiva Huntington, em São Paulo, por exemplo, o crescimento é impressionante. “Quando inauguramos a clínica há quatro anos, ajudamos a gerar 100 bebês de proveta no primeiro ano. Hoje são 500”, conta o médico Eduardo Motta, um dos proprietários da clínica. Um dos aspectos que chamam a atenção quando se depara com um número desses é o fato de tantos casais estarem dispostos a passar por tratamentos dolorosos – física e emocionalmente – para ter uma criança. O aposentado Inésio Domingos Carneiro, 43 anos, e a mulher, Ivone Greatti, 42 anos, por exemplo, desde 1996 tentavam um bebê pelos métodos artificiais de reprodução humana. Inésio já tinha um filho do primeiro casamento, mas ficou paraplégico há oito anos e, por isso, não podia ter filhos de maneira natural. No entanto,o casal não desistiu. Ivone submeteu-se aos tratamentos e teve de tomar incontáveis injeções. “Eu desmaiava quando tirava sangue. Mas suportei tudo. Valeu a pena”, conta. Hoje, o casal comemora a gravidez, que já passa de dez semanas.

Investimento – Nem mesmo o custo considerável dos tratamentos inibe o desejo de ter filhos. O casal de advogados Fernanda Balis de Aguiar, 31 anos, e Benedito de Aguiar Moreira Filho, 36 anos, calcula ter desembolsado pelo menos R$ 10 mil nos três anos de tratamentos para engravidar. Deu certo. Marcelo deverá nascer nesta semana, compensando o esforço. “Ficamos três anos casados e depois começamos a tentar um filho. Parece que falta algo no relacionamento. Precisamos de uma continuidade. Esse sentimento nos fez batalhar tanto”, conta.

Ter filhos biológicos é, em geral, o primeiro sonho do casal. É gostoso ver os olhos do pai, o nariz da avó, os lábios da mãe impressos naquelas carinhas. Mas às vezes nem uma produção própria, e em série, basta. Há quem vá além e procure receber como filhos aqueles que não puderam ser criados pelos pais verdadeiros. A primeira-dama e secretária de Ação Social do Rio, Rosinha Matheus, 37 anos, não se contentou com os quatro filhos que teve com o marido, o governador Anthony Garotinho (Clarissa, 17 anos, Wladmir, 15, Anthony, 10, e Clara, 5). Cuida de mais três, agregados aos poucos à família.

Aparecida, 25 anos, está com o casal desde os nove. Só saiu debaixo das asas dos dois em março, quando se casou. Amanda, 13 anos, é filha da babá Waldinetti, a Neti, que até hoje trabalha na família. A menina é filha de criação desde os cinco anos. O outro agregado é Wanderson, oito anos. O menino é filho da babá Mara, que também trabalha na casa de Rosinha. Se for embora, no entanto, a funcionária levará o garoto. Como se não bastasse, há cerca de um ano juntou-se à prole o menino David, de um ano, oficialmente adotado. “Ele tinha sido abandonado. Quando o peguei no colo, não larguei mais. Dei mamadeira, troquei fralda e resolvi ficar com ele”, lembra Rosinha. O amor, garante, é o mesmo. “Quem adota tem de gostar e, para isso, não precisa ser do sangue. A pessoa tem de ser desprendida e dar ao adotado tudo o que dá aos filhos biológicos”, diz.

Felizmente, Rosinha não é a única a pensar assim. E, para quem sonha em adotar uma criança, mas treme só de imaginar que terá de enfrentar a famosa e enlouquecedora burocracia, uma boa notícia: juízes, em conjunto com a sociedade, começam a se mobilizar para facilitar a adoção. É sobre isso que trata a reportagem a seguir.

O time dos SEM-FILHOs


É difícil, mas há quem não sonhe sequer em passar seus genes para a posteridade. São os integrantes do time dos “sem-filhos”. Nessa decisão pesam desde a simples incompatibilidade com crianças até a aposta na carreira profissional. Há dez anos, a profissional de marketing Adriana Vasconcellos, 34 anos, tomou uma resolução que até hoje é contestada pelos amigos. Estava para se casar com o economista Paulo Sérgio Ernandez, 51 anos, e apresentou ao futuro marido a proposta de não engravidar para que ambos pudessem decolar em suas profissões. Ele concordou com a idéia. “Nunca sentimos falta de filhos”, conta Adriana. O plano deu certo. Ela já chegou a ocupar cargo de diretoria dentro de uma multinacional.
Ernandez trabalha numa agência de publicidade.

Ao contrário do que se pode imaginar, Adriana gosta de crianças. Às vezes toma conta de filhos de amigos. “Nós nos damos bem com elas. Não temos nada contra. Apenas escolhemos uma proposta de vida voltada para a realização profissional”, explica. A postura não é criticada pelos pais de Adriana, que entenderam a escolha do casal. “Fui muito clara desde o início e eles respeitaram nossa opinião. A cobrança maior parte das pessoas com quem trabalhamos”, diz. Para ela, a maternidade não é um projeto fácil. “Se é para ter bebês, tem de haver dedicação completa. É complicado conjugar a carreira com os cuidados que eles exigem. Acho, por exemplo, que os pais têm de acompanhar a lição de casa com muita atenção”, afirma.

A tradutora Carmen Fischer, 52 anos, também optou por não ter filhos. Uma das razões que a levaram a tomar essa decisão foram as lembranças de uma infância dividida com mais nove irmãos. “Via o trabalho de minha mãe e não queria aquilo para mim”, conta. Carmen estudou Filosofia, enveredou pela militância política e acabou exilada na Suécia, onde morou seis anos. Esse caminho a afastou ainda mais da maternidade. “Sabia que na minha trajetória não havia lugar para filhos”, diz. É verdade que, quando chegou aos 40 anos, surgiram dúvidas em relação à escolha. “Mas percebi que nunca me vi muito nesse papel. Acho que não fazia parte da minha função.”