Administrar a casa, dar conta do trabalho, do marido, dos filhos, da beleza… Com tantas responsabilidades, o cansaço se tornou o principal parceiro da maioria das mulheres. Na guerra cotidiana, há até quem considere a atual situação pior do que a de um século atrás – quando as mulheres “apenas” cuidavam da casa – e maldiga a luta empreendida por feministas como a americana Betty Friedan, que publicou em 1963 o livro A mística feminina, bíblia da geração que jogou sutiãs no lixo. Essa postura, é verdade, é considerada um descalabro pela socióloga Eva Blay, coordenadora do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da Universidade de São Paulo. “Os ganhos são inestimáveis. Alcançamos a cidadania, pelo menos na lei”, diz.

De fato, as vitórias obtidas pelas mulheres nos últimos 40 anos são fabulosas. O mercado de trabalho já é partilhado quase de igual para igual com os homens e elas ocupam postos-chave de grandes empreendimentos. Também ganharam respeito, cidadania, voz. O problema, porém, é que todo esse progresso veio acompanhado de um ônus considerável. No trabalho, por exemplo, elas ainda recebem em média 30% menos do que eles, segundo o IBGE, e convivem com maior cobrança por resultados. Sem contar que os filhos, nessa esfera, continuam sendo problemas. “Os patrões vêem na maternidade um motivo para que elas faltem ao trabalho. Não percebem que as mães, por causa da maior responsabilidade, costumam se dedicar mais ao emprego”, explica a consultora paulista Giselle Welter, diretora de um escritório especializado em avaliação de pessoal de empresas.

Além disso, apesar de serem hoje tão provedoras quanto os homens, elas ainda assumem voluntariamente a maior parte das responsabilidades pela criação dos pequenos. Pesquisa recente realizada na Universidade de Michigan (EUA) com 50 gestantes mostrou que o tempo de dedicação às crianças planejado pelas futuras mamães economicamente ativas é praticamente igual ao reservado por aquelas que não pretendem trabalhar fora. O resultado é que, por causa da segunda jornada, as mulheres experimentam mais stress do que seus maridos. Esse sentimento, aliás, inspirou a americana Judith Warner a escrever o livro Perfect madness: motherhood in the age of anxiety (Loucura perfeita: maternidade na era da ansiedade). Após conversar com 150 mães, a autora descobriu que, mesmo com famílias amáveis e filhos saudáveis, a maioria das mulheres sente “um desconforto existencial” causado pela obsessão em relação à maternidade. Nunca estão satisfeitas com a própria dedicação.

A empresária Luciana Alvarez, 36 anos, mãe de Gabriel, sete, e Giulia, seis,
que o diga. “Trabalho das dez às dez. Tento passar a manhã com meus filhos e pegá-los acordados em casa quando chego, o que nem sempre acontece”, reclama. “Sinto o peso do mundo nas costas e me sinto culpada, mas não poderia fazer diferente”, diz. Angustiadas com essa situação, muitas mães estão procurando criar esquemas alternativos ao tradicional horário das 9h às 18h. A arquiteta paulista Stefânia Dimitrov, 29 anos, mãe de Bruno, nove meses, por exemplo, fechou parceria com colegas, que assumiram as visitas às obras, e se concentrou na criação dos projetos. “Trouxe o escritório para casa e consigo ficar mais tempo com meu filho”, diz. Essas saídas estão cada vez mais possíveis graças à tecnologia. “A era mecânica exigia a pessoa no local de trabalho. Hoje, não é mais preciso que se fique no escritório oito horas por dia porque a tecnologia permite link de qualquer lugar”, reflete a escritora Rosiska Darcy de Oliveira, presidente do Centro de Liderança da Mulher.

De fato, um dos grandes dilemas no neofeminismo do século XXI é conciliar o trabalho e o desafio da maternidade. Nos Estados Unidos, as prateleiras estão abarrotadas de livros que prometem ensinar o caminho das pedras. Nenhum resolve a questão. “Milhares de mulheres estão neste exato momento suspirando, na saudade da carreira deixada de lado ou no sonho de filhos que nunca terão”, diz Naomi Wolf, autora do best-seller O mito da beleza. Para a sempre provocativa Camille Paglia, autora de Sexual personae, parte da solução é mudar a ética de trabalho do capitalismo liberal. “Enquanto pais e mães insistirem em fazer de seus filhos campeões em tudo, a rotina das famílias continuará enlouquecedora. Levar a filha ao balé, à aula de chinês, ao curso de pintura, e os meninos ao futebol e às aulas de árabe é de matar. Somam-se a isso os desejos de consumo dos pais. Eles terão de escolher: ou o Jaguar ou a preservação de seus genes”, sugere.

Se as mães não dedicam aos filhos a atenção de que gostariam, tampouco estão conseguindo lidar com os relacionamentos afetivos. Pesquisa realizada
pelo ginecologista e sexólogo carioca Amaury Mendes Jr., da clínica Delphos, mostrou que as mulheres com padrão financeiro mais alto – que dividem
igualmente as despesas com o marido – têm em média oito relações sexuais por mês, enquanto as que contribuem com 20% da renda transam 12 vezes durante o mesmo período, normalmente com mais desejo. “Em geral, as mulheres que ganham melhor têm um cotidiano mais atarefado e se sentem cansadas para o sexo”, diz ele. Outra séria consequência de uma vida tão atribulada foi o aumento de doenças resultantes de tamanha ansiedade. Hoje, problemas cardiovasculares estão entre os primeiros na lista dos responsáveis pelas mortes femininas. “Ao ganhar espaço no mercado, a nova mulher sofre com stress, leva uma vida sedentária e abusa de junk food”, aponta José Marcone Almeida de Souza, cardiologista da Universidade Federal Paulista.

Mulher maravilha – Muito dessa angústia feminina se deve, é verdade, à própria exigência delas consigo mesmas. Há uma autocobrança incrível para darem conta de todas as responsabilidades – e com louvor. Além disso, muitos companheiros e a sociedade em geral também são rigorosos quando alguma falha aparece. Por causa dessa combinação, milhares de mulheres acabaram aprisionadas por uma idéia equivocada de terem de ser perfeitas. Como se fossem “mulheres maravilhas” reais. Essa situação, no entanto, já se mostrou intolerável. Tanto é que já se ensaiam novas formas de resolver o dilema entre ser mulher/profissional/mãe/amante e conseguir também ser feliz. Algumas estão surgindo até de jovens, de quem, em princípio, se espera ainda mais a pretensão de ser infalível e de abraçar o mundo com as mãos. A fisioterapeuta Maria Clara Vaz Cabral Marques, 21 anos, de São Luís (MA), criou uma comunidade virtual chamada “Sou Amélia, sim, e daí!?” e tem orgulho em afirmar que, quando casar, terá prazer em cuidar da casa e do marido e pretende trabalhar meio período. “Devemos às feministas o reconhecimento intelectual e a independência financeira, mas as mulheres de hoje erram ao priorizar a carreira”, opina. Quem se delicia com essa postura é Alexandre Kuzolitz, 29 anos, namorado da garota. “Ela está sempre me agradando. A maioria das mulheres não se permite paparicar o namorado com medo de ser tachada de submissa”, diz.

Outra que encontrou uma saída foi a publicitária carioca Suzanne Miller, 36 anos. Com uma condição financeira favorável, ela abandonou uma próspera carreira e voltou para casa. Casada e mãe de três crianças, ela faz questão de ressaltar que não parou de trabalhar para ficar lavando louça e se sente gratificada por poder realizar trabalhos voluntários e acompanhar os filhos nas aulas de natação, balé e futebol. “Quis priorizar o que é mais importante na minha vida, a família. Eu trabalhava às vezes até as cinco da manhã, não via meus filhos e mal encontrava meu marido. Acho que fiz a coisa certa”, diz. Não é a única solução, apenas uma das opções. O importante é estar atenta e, na medida do possível, tirar uma parte do planeta das costas.