Seis meses depois do começo do namoro, a assistente administrativa Mônica Rodrigues, 27 anos, se viu em uma encruzilhada. “Quero ter filhos”, disse-lhe o namorado, Fábio Ayub Brasil, 28, ao que ela retrucou: “Eu não.” Se fosse assim, ele sugeriu, era melhor que os dois se separassem. Mesmo apaixonada, Mônica se manteve firme. Afinal, a cena de segurar um bebê nos braços não fazia parte do futuro que ela vislumbrava. Depois de uma semana, o namorado concluiu que isso não seria um empecilho para a união. Hoje, quatro anos depois, ele é ainda mais entusiasta da ideia de não ter filhos do que a assistente administrativa. Quando casarem, Mônica e Fábio formarão um lar. Uma família, por que não?, só que sem rebentos, engrossando a estatística de cerca de um em cada cinco casais brasileiros que optam por não ter filhos. Entre os mais jovens, a tendência parece ser ainda mais forte – 42,8% têm entre 25 e 34 anos.

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Os lares formados apenas por um casal são um entre os vários arranjos familiares que fogem da imagem tradicional de família, formada por homem, mulher e crianças. No Brasil, a taxa de 19% de lares sem filhos é um indício de um movimento. Há pouco mais de dez anos, esse número era de 14%. Entre eles, 20,7% são casais em que ambos têm renda. Para esse caso há um nome especial: são os dinks (“double income, no kids” – em português renda dupla, sem filhos). Ter menos filhos ainda acompanha a diminuição de fecundidade, as mudanças no comportamento feminino e o processo de urbanização, como aponta Taís Santos, do Fundo de População das Nações Unidas. “O custo do filho é maior e deixa de ser atraente a ideia de uma família muito numerosa que, no campo, quando eram necessários mais braços na agricultura, fazia sentido”, diz Taís. Segundo um levantamento de 2013 feito pelo Instituto de Vendas e Trade Marketing (Invent), um filho pode custar, dependendo da faixa de renda da família, entre R$ 2 milhões (classe A) a R$ 407 mil (classe C), do nascimento até os 23 anos.

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OPÇÃO
Antes de casar, Roberta Souza disse ao marido, Thiago Alvarenga,
que não queria ser mãe. "Há muita pressão social sobre a escolha"

Para as mulheres, lidar com essa decisão parece ser um pouco mais complicado. “As pessoas têm dificuldade para aceitar o fato de que nem toda mulher quer reproduzir”, diz a advogada Tatiana Lambert, 33 anos. “Dizem que vou mudar de ideia e falam sempre em marcos temporais: quando me formar, quando fizer 30 anos, quando encontrar o amor… adoro crianças, mas o desejo de ser mãe é inexistente.” Na crítica da psicanalista suíça Corinne Maier, autora de “Sem Filhos – 40 Razões para Não Ter” (Intrínseca), a experiência é glamourizada demais. “Ser mãe é visto como algo elegante. As mulheres são encorajadas a isso porque supostamente eles nos fariam felizes”, afirma. “A identidade presa à maternidade não se sustenta mais”, afirma Isabel Cristina Gomes, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Laboratório de Casal e Família.

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Segundo Laura Carroll, autora do livro “The Baby Matrix: Why Freeing our Minds From Outmoded Thinking About Parenthood & Reproduction Will Create a Better World” (em tradução livre, “Por que Libertar Nossas Mentes da Visão Antiquada sobre Paternidade e Reprodução Criará um Mundo Melhor”), convivemos por tanto tempo com crenças que estimulam as pessoas a terem bebês que elas se tornaram normas. “Não segui-las, portanto, mostraria que há algo errado conosco”, afirma. Mas não há. Ter filhos vem deixando de se tornar um passo automático na vida para se tornar uma opção. “Existem homens e mulheres que têm vocação para ser pai e mãe, outros não. É preciso pensar sobre isso e sobre toda a responsabilidade”, diz Edson Fernandes, coautor do livro “Sem Filhos por Opção” (editora nVersos). “Na pesquisa, percebi que os mais conscientes disso são os jovens, também mais livres de preconceitos.” Isabel Gomes, da USP, concorda. “Surgiu uma igualdade de gêneros, pelo menos entre os casais mais novos e de dupla carreira”, afirma.

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SOLTOS
Bianca Morelli e Marcos Vieira são casados há dois anos e não
pensam em ter filhos, pois não querem abrir mão da liberdade

Casada há cinco anos, a analista financeira Roberta Souza, 31 anos, falava desde criança que não queria ter filhos. “Com dez anos, cuidava da minha irmã mais nova. Via o trabalho que dava e já percebia que não tinha essa vontade”, diz. “Meu marido quer ter e acha que vou mudar de ideia.” A publicitária Bianca Zanon Morelli, 28 anos, e o analista de tecnologia da informação Marcos Garcia Vieira, 27, casados há dois, também decidiram viver sozinhos. “Estamos numa fase do casamento em que todos perguntam dos filhos, mas quando explico o porquê de não querer ter, vejo que muitos entendem”, afirma Bianca. Para ela, é preciso ter um certo dom para ser mãe. “Tenho muitas amigas que desde adolescentes têm vontade. Eu nunca tive o sonho, nem cogitei”, diz. Nos Estados Unidos, onde o índice de casais sem filhos é similar ao do Brasil, há organizações para trocar experiências e informações sobre o estilo de vida “childfree” (livre de filhos). A autora Laura Carroll faz parte do grupo Aliança Nacional pela Paternidade Opcional e ressalta que lá foi criado, inclusive, o dia “childfree”. A proposta, segundo ela, é fazer com que essa opção seja mais bem aceita pela nossa sociedade. 

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FOTOS: Pedro Dias – Produção Cintia Sanches, Kelsen Fermandes/Ag. ISTOÉ; Adriano Machado


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