"Não sabe jogar golfe? Ótimo." A frase, estampada em vários outdoors espalhados por São Paulo, chamou a atenção dos paulistanos. Afinal, o que eles querem dizer com esse “ótimo”? Um telefonema esclarece a dúvida. Pelo número fornecido no cartaz, o interessado entra em contato com um dos redutos mais fechados do esporte brasileiro. Inaugurado no final do ano passado, o Kaiser Golf Center, uma parceria da Federação Paulista de Golfe com a cervejaria, veio para diminuir a distância que separa o nobre esporte dos mortais menos abastados. Para bater uma bolinha ali é só pagar e jogar.

A chegada do Kaiser acontece no momento em que o esporte vira notícia. Em 2001 comemora-se o centenário do golfe no Brasil, introduzido no início do século passado pelos engenheiros ingleses da estrada de ferro São Paulo Railway. Na semana que antecedeu o GP Brasil de F-1, em março, Rubens Barrichello e o craque Ronaldinho jogaram uma partida de exibição no tradicional São Paulo Golf Club. O jogo aconteceu um dia antes da abertura do Brasil Open, o mais importante torneio disputado no País. Ronaldinho, que aprendeu a jogar durante a recuperação da cirurgia no joelho direito, deixou o piloto para trás. No golfe, vence quem acertar os 18 buracos do campo com o menor número de tacadas. O atacante da Inter de Milão completou o percurso com 48 golpes, dois a menos que Barrichello. Quem os viu jogar garante que o craque leva mais jeito para a coisa. Porém, o handicap, o índice que avalia e determina a qualidade e a classificação dos golfistas, mostra uma disputa acirrada. Em uma escala que vai do 0, profissional, ao 40, iniciante, Ronaldinho tem handicap 29. O de Rubinho é 30. Nas últimas semanas o jogo do piloto da Ferrari tem evoluído. O atacante, mais preocupado em voltar logo ao futebol, não tem jogado com muita frequência. “Estou adorando o golfe. É um esporte supertécnico e difícil. Sempre que tenho tempo vou jogar. É uma caminhada longa, porque cada partida pode chegar a quatro horas e meia”, diz Ronaldinho.

Ele e Rubinho são os mais novos alunos de uma turma de ilustres calouros que começa a se familiarizar com hole-in-ones, eagles, birdies e bogeys, entre outros termos do britânico dicionário do esporte. Na mesma classe estão o cantor Jorge Ben Jor, os caipiras Gian & Giovani, o tenista Fernando Meligeni, o piloto Christian Fittipaldi e Ana Maria Braga. O affair da apresentadora com o golfe começou em uma viagem de férias pelos Estados Unidos. Impressionada com o número de campos e praticantes – o país tem aproxidamente 30 milhões de jogadores –, a amiga do Loro José disse ao marido, Carlos Madrulha, que gostaria de aprender a jogar. Como incentivo, ganhou 12 tacos e seis bolinhas, presentes do maridão. “Achei o esporte bacana. Mas ainda não tive tempo para treinar. Minha vida anda muito corrida”, diz a global. Ela teve o único contato com o esporte no driving range, a área onde os golfistas treinam antes de ir para o campo do Kaiser. Quando arrumar uma folga na agenda, Ana Maria Braga terá contato com um batalhão de empresários e banqueiros. À frente da brigada dos cifrões figuram o todo-poderoso presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e um legítimo representante da realeza lusitana, o príncipe Dom Eudes de Orleans e Bragança. A concentração de poder e influência torna o green um ótimo lugar para negócios. O próprio Armínio Fraga confessou que já fez vários contatos por meio do golfe. Tão ricos quanto, os meninos dos BackStreet Boys também não resistem ao charme do green. Antes de enlouquecer o acampamento teen, Nick, Kevin e AJ bateram uma bolinha no Itanhangá Golf Club, no Rio.

Acesso – Os novos golfistas não encontrarão muitas dificuldades para praticar o esporte. Hoje, a maioria dos clubes permite o acesso de não-sócios às suas instalações. É só pagar o greenfee, uma espécie de taxa de utilização do campo. Porém, alguns mais tradicionais, como Gávea, no Rio, e São Paulo Golf Club ainda mantêm a tradição e torcem o nariz para jogadores que não apresentem as credenciais exigidas pelos estatutos dessas instituições. Os hotéis viram no golfe uma boa chance para faturar alguns dólares a mais. A paixão dos turistas estrangeiros pelo esporte fez com que o Transamérica Comandatuba e o complexo hoteleiro da Costa do Sauípe, ambos no litoral baiano, inaugurassem dois campos de golfe. Mas há quem veja esse boom com certa prudência. Para Wagner Rocumbak, 36 anos, proprietário da Golf School, um driving range localizado na zona sul de São Paulo, o caminho da popularização passa pela criação de campos públicos. “Hoje há mais possibilidades para se jogar golfe. Mas o esporte ainda é restrito. Não é o pobre que joga golfe. Por isso, o termo popularização é um pouco forte. Só vai começar a mudar quando, a exemplo dos Estados Unidos, da Europa e até da vizinha Argentina, houver campos públicos com acesso facilitado”, diz Rocumbak. Luiz Martins, presidente da Associação dos Golfistas Profissionais do Brasil, é da mesma opinião. De origem humilde, foi carregador de tacos em Porto Alegre e acredita que o esporte pode ajudar a recuperar garotos que perderam o rumo da vida. “A construção de campos de golfe nos institutos de correção para menores poderia funcionar como uma espécie de terapia para as crianças”, diz. “O golfe não exige esforço físico e não estimula a agressividade.”

Sem stress – Desde a inauguração do Kaiser, em setembro do ano passado, mais de 1.450 alunos inscreveram-se no curso. A previsão, otimista, era chegar a 700 novos praticantes. Eles pagam entre R$ 20 e R$ 35 por aula. Após dois meses, começam a jogar no pequeno campo de nove buracos situado nos fundos do terreno, situado ao lado da barulhenta pista do aeroporto de Congonhas. A grande maioria nunca havia pegado em um taco. Esse é o caso da gerente de produtos de moda Carolina Lobeto, 27 anos. Esporte-maníaca, ela, que já jogou tênis, fez montaria e malha na academia, está curtindo o novo hobby. “O golfe limpa a cabeça. Cada vez que você desce o braço, o stress vai junto com a bolinha. É uma ótima terapia”, diz Carolina, fingindo-se de surda ao ignorar o ronco do 737-300 que acaba de decolar.

Ainda nas primeiras tacadas da vida, o garoto Luiz Guilherme Frisone, oito anos, também não parece preocupado com o infernal rugido das turbinas. Sobrinho de Kiko Frisone, um dos maiores jogadores de squash do País, o garoto já manda a bolinha a quase 100 metros de distância. Uma façanha e tanto para alguém quase do mesmo tamanho do taco que carrega. “Quero ser igual ao Tiger Woods”, afirma.

Primo rico, primo pobre

Ex-combatente da Guerra do Vietnã, Earl Woods é um apaixonado por golfe. Quando seu filho Tiger tinha apenas seis meses, percebeu que o bebê era dono de um equilíbrio incomum para uma criança daquela idade. Pouco tempo depois, o bebê Tiger dava as primeiras tacadas. Hoje, com 25 anos, Eldrick Tiger Woods, um negro nascido de uma alquimia composta por chineses, tailandeses e indígenas, é para o golfe o que Pelé foi para o futebol. Em abril, com o título do Masters de Augusta, nos Estados Unidos, o golfista tornou-se o primeiro da história a vencer os quatro principais torneios do mundo. Seu acordo com a Nike chega a US$ 100 milhões por cinco anos de contrato.

No Brasil a história é outra. Nosso Tiger Woods é cinquentão, joga torneio de veteranos e não ganha nem 1% da fábula do americano. O paulistaPriscillio Diniz obteve os dois melhores resultados recentes do esporte para o Brasil. Em 2000, venceu o Algarve Open, em Portugal. No início desse ano, conquistou o Royal Westmoreland Barbados Open, disputado na ex-possessão inglesa encravada no mar do Caribe. Mas nem as duas vitórias foram capazes de afugentar um velho fantasma que assombra os esportistas brasileiros. O golfe, praticado por milionários, padece da falta de patrocínio. “Enquanto não tivermos campos públicos, a situação não mudará”, lamenta o veterano. Aqui, um profissional top ganha em torno de R$ 7 mil mensais, com torneios, aulas e clínicas em academias e escolinhas.

O Brasil tem aproximadamente 15 mil golfistas. Desses, apenas 162 vivem do esporte. As maiores esperanças são o paulista Alexandre Rocha e a carioca Maria Candida Hannemann. Ambos tentam entrar no milionário circuito profissional americano, a meca do taco e da bolinha.