Decididamente mãe não é “tudo igual”, apesar de ser sempre a mesma coisa. Em suas incontáveis funções e atividades, a mãe de hoje tem muitas caras, bocas, sorrisos e testas enrugadas, apesar de eventuais aplicações de botox. Empresta por vezes seus cuidados exagerados aos colegas de trabalho ao receitar aquele chazinho infalível para gripe, ao mesmo tempo que tenta implantar no cotidiano do filho as teorias de organização e administração do tempo aprendidas no trabalho. Essa mistura de roupagens e a falta de um rosto definido que sirva como ícone podem ser detectados nos apelos comerciais da mídia para o Dia das Mães. Na página que o site de vendas Submarino colocou no ar há quinze dias, com promoções, o filho internauta escolhe o presente a partir das características mais marcantes de sua mãe, que pode ser moderna, esportista, intelectual, dona-de-casa, etc. O Shopping Iguatemi, em São Paulo, colocou duas lindas mulheres e chamou a atenção para o fato de ambas partilharem o mesmo guarda-roupa. Na campanha de outro shopping paulistano, o Center Norte, o apelo foi o poder de escolha de suas clientes. “A mulher de hoje é múltipla. Nossa mensagem é: ‘Filho, pense bem para agradar essa mulher que sabe o que quer’”, diz Antônio Serzedello, da equipe de criação da agência Promovisão, responsável pela campanha.

O que parece confuso é na verdade um sintoma da ampliação do universo feminino. Está cada vez mais difícil encontrar mulheres que são mães em tempo integral. A maioria disputa ombro a ombro com o homem o mercado de trabalho, além de cuidar de seus rebentos. Na verdade, elas reclamam, mas resistem em dividir o que há poucas décadas era o seu reino, acumulando funções. Não é de estranhar que seja tão difícil estabelecer um único perfil para elas. Entretanto, o doce gosto da conquista da independência e do sucesso profissional às vezes trava a boca. “As estruturas familiares estão muito diferentes, mas as mulheres continuam se sentindo extremamente culpadas por passar muito tempo fora de casa”, diz a escritora e mestre em educação Tânia Zagury, 52 anos, que já escreveu nove livros, cinco deles sobre a relação entre pais e filhos. O último foi Limites sem trauma, em que trata das dificuldades do pais em dar limites aos filhos.

Ninguém discute a importância do papel da mãe, seja biológica ou não, na formação da criança. Por isso mesmo, é tão penoso para a mulher abrir mão do exercício da maternidade. E aí surge o conflito: como batalhar por aquela promoção ou terminar a tão sonhada tese depois de noites maldormidas, cheias de fraldas e mamadeiras? Acontece que mulheres que foram preparadas para ter sua própria carreira e abrem mão dela para ficar com os filhos também se ressentem. É o caso da bióloga Cristina Moritz Rebelo, que mesmo tendo duas faculdades decidiu, aos 29 anos, parar de trabalhar para dedicar-se aos filhos gêmeos, Eric e Lucas, hoje com 9 anos. “Não imagino a minha vida diferente. Sei que eles precisam de mim e me realizo, por exemplo, se um deles faz uma cesta no basquete e dedica o ponto a mim”, derrete-se ela. Cristina, no entanto, se incomoda com a falta de reconhecimento. “A sociedade só valoriza quem trabalha fora. Não tenho direito de me mostrar cansada, tenho que estar sempre pronta e disposta. E ainda me preocupo em voltar um dia ao trabalho”, completa ela.

Os especialistas colocam ainda mais lenha na fogueira. Eles garantem que passem ou não do portão para fora as mães sofrem do mesmo jeito e por questões pouco visíveis, mas quase palpáveis. “A mulher sente a quebra da simbiose que se forma desde a concepção. E isso independe de épocas e costumes. O parto é o primeiro de uma série de rompimentos aos quais ela terá que se adaptar”, explica o psicanalista Luiz Carlos Nogueira, supervisor da Clínica Psicológica da Universidade de São Paulo. O desmame, o momento de ir para a creche ou a escola e a adolescência vêm na sequência. A saída de casa é o corte final do cordão umbilical, coisa que muita gente nunca realiza, mesmo morando em casas e até em países diferentes.

Posse – Essa é, inclusive, a maior falta imputada às típicas mammas italianas. Há até uma anedota que diz que os cordões umbilicais delas esticam, esticam, mas nunca se rompem. Com a desculpa da bela macarronada e do suculento molho que só ela sabe fazer, a mamma é, além de esparramada no gostar, extremamente possessiva, ciumenta e por vezes autoritária. Filha de uma típica família italiana, a atriz Eliane Giardini, 48 anos, atesta que essa é a mais pura verdade. Apesar de se confessar envergonhada em não saber cozinhar, ela planejou um jeito de manter as filhas bem próximas, mesmo depois de casadas. “Nossa casa tem suítes independentes e uma área comum. Meu sonho é que ao se casarem elas tragam os maridos”, confidencia. Eliane nunca foi uma mãe em tempo integral, como a dela, mas faz questão de ter uma relação próxima com as filhas, Mariana e Juliana, 19 e 21 anos. “Elas nunca foram criadas por empregada porque minha mãe morava comigo. Se não fosse isso, não teria investido tanto na minha carreira”, conta a atriz.

Eliane Giardini está em cartaz com a peça A memória da água, que trata exatamente da relação de três irmãs com a mãe que acaba de morrer. “É no velório que elas decodificam a relação complexa que tinham com a mãe.” Sua colega de elenco, a atriz Andrea Beltrão, 37 anos, mãe de José, um ano e três meses, Rosa, quatro anos, e Francisco, cinco, teve exemplo na infância de como é possível driblar as dificuldades de conciliar a carreira e o cuidado com os filhos. “Tive o privilégio de ficar um ano e meio em casa me dedicando exclusivamente às crianças, mas não defendo a idéia de que as mulheres têm que parar tudo para ficar com os filhos”, esclarece ela. Sua mãe, Marilena, sempre trabalhou fora. Era professora em duas escolas, mas foi muito presente. “O que importa é a qualidade da relação”, diz.

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e a supermãe é tão importante na caixinha de necessidades femininas, também não deixa de mostrar sua presença no imaginário do filhos. O concurso Faça da sua mãe uma estrela, do megaportal Terra, mostra bem isso. Desde 23 de abril, o portal tem provocado seus visitantes a enviar histórias engraçadas sobre suas mães. A protagonista da melhor história ganhará um vale-compras de R$ l mil; o filho, um aparelho de DVD; e os dois juntos se transformarão em garotos-propaganda de uma campanha online. Quase todos que se atreveram a revelar situações engraçadas e até vexatórias de suas mães não deixaram de botar lá uma pitada de orgulho filial. “Recebemos mais de 1.500 histórias do Brasil inteiro, de filhos de 8 a 80 anos. E, segundo os relatos, todas as mães são guerreiras, vencedoras, mulheres que batalharam para criá-los, muitas vezes sozinhas”, conta Angélica Iannelli, coordenadora do projeto. Dá-lhes, superfilhos! 

Colaboraram: Liana Melo (Rio de Janeiro) e Rodrigo Lopes (Belo Horizonte)

 

Rita Lee, 52 anos

“O apelido da minha mãe era Chezinha (“igrejinha”
no dialeto napolitano) e ela era a cara da Patrícia
Pillar. Quando solteira, tocava piano e cantava nos bailes em Rio Claro, mas em vez de ser cantora se casou e foi para São Paulo. Chezinha era dessas mulheres sem ego, jamais a vi rebelada. Com ela aprendi que música não é arte, é vida; que o passarinho na gaiola também canta; que ser mãe não é padecer no paraíso, é uma farra no inferno! Minha mãe era feliz e sabia, ela era “ducacete”. meu!!!!
 

Ziraldo Alves Pinto, 68 anos cartunista

“Lembro da minha mãe, dona Zizinha, jogando
bola comigo e com meus sete irmãos, lá em Caratinga, interior de Minas. Deixava a gente pintar as paredes
de casa e pegava papel de embrulhar pão, dobrava
e passava o ferro de roupa em cima, para eu fazer livrinho. Ela me incentivou a ir para a cidade grande
ser cartunista. Mais tarde, quando um irmão meu
foi servir no Tiro de Guerra, ela ainda ia até o
quartel levar bolo e biscoito para ele.”

Superpoderosas

A mãe italiana e a judia tem lá sua razão de ser, além, é claro, do exagero folclórico. Suas raízes encharcadas de lágrimas e cuidados não estão apenas afundadas no melodrama. Genha Migdal, do Centro de Estudos Judaicos da USP, explica que a manutenção da raça era função da mulher judia. Não só dar à luz, mas mantê-los vivos e prover a comida enquanto os maridos se dedicavam aos estudos da religião eram suas funções. Ari Rehfeld, supervisor da Clínica Psicológica da PUC, diz que essa superproteção é comum entre os povos do Mediterrâneo, área de conflitos no passado. “Cuidar da cria é natural da mãe. Cresce o perigo, cresce a preocupação.

E isso se perpetuou.” Com a imigração, não é difícil entender a sensação de que a mãe judia e a italiana povoam todos os lares brasileiros.

Fernanda, 19 anos, e a ídiche mama
ruth Bobrow, bacteriologista
“No judaísmo, a mulher tem o papel da proteção e nisso minha mãe é especialista. Ela se preocupa se estou bem alimentada, não me deixa dirigir sozinha à noite e quando saio quer saber com quem estou. Se demoro para voltar, ela se faz de indiferente e ironiza: ‘Pode ficar aí!’ Todas as vezes que lhe apresentei um namorado e ela não gostou, deu errado.”
Franco, 17 anos, e sua mamma, Luciana Rucco,
agente de viagens
“No judaísmo, a mulher tem o papel da proteção e nisso minha mãe é especialista. Ela se preocupa se estou bem alimentada, não me deixa dirigir sozinha à noite e quando saio quer saber com quem estou. Se demoro para voltar, ela se faz de indiferente e ironiza: ‘Pode ficar aí!’ Todas as vezes que lhe apresentei um namorado e ela não gostou, deu errado.”


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