Um prejuízo bilionário para o governo. É isso o que se esconde por trás dos bingos e das máquinas caça-níqueis espalhadas por todo o País. No Brasil, a jogatina permitida representa um mercado que movimenta cerca de R$ 10 bilhões por ano. O problema é que, segundo técnicos da Caixa Econômica Federal (CEF), cerca de 70% dessa dinheirama estaria circulando sem nenhum tipo de controle, o que implicaria um prejuízo ao País de aproximadamente R$ 2,5 bilhões por ano, apenas em impostos diretos. Para que essa sangria fosse estancada, no final do ano passado o então superintendente de Loterias da CEF, Fábio Alvim, resolveu intensificar o controle sobre os bingos. Em pouco mais de 60 dias, quase 300 casas foram fechadas e outras 192, multadas. A linha dura, no entanto, não durou muito. No início de março, os donos de bingos comemoraram a transferência de Alvim, hoje responsável pela área de cartões de crédito da CEF. Seu lugar foi ocupado por Luiz Francisco Monteiro de Barros, ex-funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), sucessora do SNI. Oficialmente, a Caixa nega que a remoção de Alvim tenha a ver com a ofensiva promovida contra os bingos, mas, desde a troca do superintendente de Loterias, não se tem notícias de que a fiscalização continue com o mesmo rigor. A assessoria de imprensa da CEF, no entanto, assegura que, nos próximos dias, a ação contra os bingueiros irregulares voltará ainda mais forte, pois está em fase final de elaboração um convênio com a Polícia Federal exatamente para tentar controlar as casas de jogos.

Para a Polícia Federal (PF), descobrir a prática de crimes contra o Tesouro na contabilidade dos bingos não representa um grande desafio. Uma investigação que há cerca de seis meses vem sendo conduzida pelo delegado Cláudio Nogueira mostra bem como funciona esse submundo. Com base em um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a PF tem averiguado a sorte dos dez principais vencedores do Bingo Arpoador, um dos maiores do Rio de Janeiro. O publicitário Claudio Henrique Teixeira é um desses privilegiados. Entre outubro de 1999 e junho de 2000, ele teria recebido R$ 695.224,19. “Frequento o Bingo Arpoador e ganhei algumas vezes, mas esse valor é absurdo. Não recebi mais do que R$ 5 mil”, calcula Teixeira.

O valores dos prêmios foram repassados à Receita pela própria direção do Bingo Arpoador. “Os dados são verdadeiros e oportunamente mostraremos os comprovantes”, afirma Ricardo Bruno, assessor de comunicação do Bingo Arpoador. Enquanto essa documentação não é apresentada, o que a Polícia Federal tem verificado é que todos os ganhadores habituais do Bingo Arpoador listados pela Receita negam ter recebido o que fora informado pelo bingo. O coronel reformado da Polícia Militar do Rio José Heleno de lmeida Barbosa declarou ao Fisco que em 1999 foi agraciado com prêmios que totalizaram R$ 170.178,00. Nada mau. Mas para o Coaf sua sorte ainda é maior. Segundo o relatório em poder da PF, apenas entre setembro e dezembro de 1999 o coronel recebeu R$ 252.442,30. E, de janeiro a agosto do ano passado, o PM teria embolsado mais R$ 347.178,08. “Guardo todos os recibos e posso provar o que ganhei”, revolta-se o policial, que foi chefe do Gabinete Militar do governador Leonel Brizola. A situação do empresário Humberto Luiz Cotta Júlio não é diferente. De acordo com a Receita, ele teria recebido R$ 632.071,84 entre outubro de 1999 e junho de 2000. “Não é verdade. Não ganhei mais que R$ 250 mil”, comemora. “Estamos diante de um crime. Pode ser sonegação fiscal ou até lavagem de dinheiro”, conclui o delegado Nogueira.

As máquinas caça-níqueis ou bingo eletrônico também vêm chamando a atenção da PF e da Caixa. A CEF informa que todas essas máquinas são irregulares, embora muitas estejam em operação por causa de liminares obtidas na Justiça. Existem cerca de 600 mil dessas máquinas no Brasil. Em média, cada uma delas arrecada cerca de R$ 30 por dia, o que representa um movimento diário de R$ 18 milhões. Tentar coibir essa prática clandestina também era prioridade do ex-superintendente de Loterias da CEF. Dias antes de ser transferido para o setor de cartão de créditos, Alvim desencadeou um processo de licitação no valor de R$ 1,5 bilhão, com o objetivo de tornar online todo o processo de jogos da CEF, incluindo captura das apostas, transmissão de dados e processamento. A princípio, esse trabalho não iria afetar diretamente as máquinas caça-níqueis, mas estaria aberto o caminho para inseri-las no sistema. Enquanto essa licitação não se concretiza, os jogos da CEF são controlados pela multinacional de base americana Gtech, que para se adequar às novas regras precisaria fazer um investimento de aproximadamente US$ 200 milhões.