Em breve, a geração MTV fará uma descoberta reveladora. Roberto Carlos é um gênio. Com 60 anos completados no dia 19 de abril, o Rei decidiu presentear os saudosistas e surpreender os mais jovens aderindo ao projeto Acústico MTV, o 15º da emissora no Brasil. A quem não sabia, mostra que são dele algumas das músicas mais bonitas gravadas nos últimos anos e que fizeram sucesso em vozes dos Titãs, Adriana Calcanhotto, Skank ou Marisa Monte. Exibindo interpretações seguras e a voz sempre afinada, ele parecia ensinar aos discípulos, com toda a delicadeza, o que parece ser óbvio: é assim que se deve cantar estas canções. Pelo que se viu e ouviu nas gravações ao vivo do disco, realizadas nos dias 9 e 10, no Rio de Janeiro, este deverá ser o melhor trabalho de Roberto em anos.

Em meio ao burburinho, uma ausência era sentida no palco e na platéia de 150 convidados, uma mistura de amigos e admiradores, todos transformados em súditos por cerca de duas horas de show. Onde está Erasmo Carlos, o parceiro fiel, co-autor da maioria dos sucessos do Rei? Completando também 60 anos no dia 5 de junho, o Tremendão resolveu à sua maneira presentear o público e a si mesmo com algo que não fazia há tempos. Depois de uma década só lançando regravações, ele decidiu retornar à carreira solo e às paradas com um disco de músicas inéditas, Pra falar de amor. É também o seu melhor trabalho em anos. O brilho solitário da mais famosa parceria da música brasileira coincide com um período difícil, no qual os dois quase não fizeram nada juntos. O motivo, conhecido, foi a doença de Maria Rita, mulher de Roberto, morta em 1999.

Trabalho solitário – Até a recente crise de Roberto, a média anual de músicas que a dupla compunha variava entre nove e doze. No ano passado, se reduziu a uma. Na época, Roberto alegou ao amigo que precisava expressar sozinho o que sentia. Quando Erasmo começou a compor as canções do seu novo disco, ele sugeriu que o parceiro também fizesse um trabalho solitário. Não tinha clima. “Tudo o que ele passou eu vivi em parte alguns anos atrás quando minha mulher suicidou-se”, diz Erasmo. “Para mim foi um golpe arrasador, fiquei dois anos sem cabeça para nada.” Mas, ao que parece, pela disposição de Roberto em encarar o projeto, várias vezes adiado, as dificuldades começam a ser superadas. Menos as que envolvem as produtoras do evento histórico, MTV e Rede Globo.

Realizado depois de apenas três dias de ensaio, o disco-show foi cercado de algum mistério e muitas dúvidas. As emissoras não se entenderam quanto aos destinos das imagens feitas durante a gravação do CD, que costumam ser exibidas pelo canal musical junto com o seu lançamento. Como Roberto tem contrato de exclusividade com a Rede Globo até 2002, apenas três músicas serão transformadas em clipes. O disco deve sair entre junho e julho pela Sony Music e estão previstas 17 faixas. Ele acertou no repertório, optando por fazer releituras de alguns de seus grandes sucessos, como Emoções e Jesus Cristo, e juntar algumas pérolas dos tempos da jovem guarda. Depois de muita espera, a platéia de vips foi brindada com Roberto e seu violão. Entre os privilegiados, a ex-mulher Myriam Rios se comportou como uma tiete. “Gosto de todas as músicas. O Roberto é o melhor compositor e cantor do mundo.”

Convidados – Os primeiros acordes, inconfundíveis, já revelavam. Era Detalhes, na qual avisa aos incautos que não adianta nem tentar esquecê-lo. A interpretação emocionada, feita de olhos fechados, fez o presidenciável Ciro Gomes viajar no tempo. “É a minha preferida. Quando foi lançada, eu era muito romântico. Não que tenha deixado de ser”, revelou. Os roquinhos da jovem guarda, como Calhambeque e É proibido fumar – esta com participação de Samuel Rosa, do Skank –, ganharam um irresistível balanço, cheio de suingue. “Sou de uma geração que ouve o Roberto desde que nasceu. Tocar com ele é como ganhar na Sena”, revelou Samuel. Tony Belotto tocou violão em É preciso saber viver, em que o bem e o mal foram transformados em “o bem e o bem”. Mais inspirada foi a intervenção de Milton Guedes na gaita em Parei na contramão, que pôs todo mundo para dançar, ainda que sentados.

No momento mais sentimental do show, dedicado a Maria Rita, Roberto homenageou a ex-mulher com duas canções, Eu te amo tanto e Grude. “Eu não toco piano. Faço alguns acordes e me atrevo a compor no piano, mas só toco de um lado”, brincou, antes de cantar a primeira delas. O tal piano usado por Roberto para criar estas canções antológicas é um teclado elétrico Korg, modelo F 10. Erasmo conta que, ao varar a noite na casa do Rei, sempre olhava para o aparelho e lia Fio. Mas ele nega que o erro de leitura vinha do consumo de bebida, que os médicos o aconselharam a diminuir depois que sofreu uma arritmia cardíaca no ano passado, ficando três dias no CTI. “Hoje só bebo socialmente e nunca quando estou compondo”, diz Erasmo. “Bebida dá sono.”

Morando com a mãe de 80 anos e o segundo dos três filhos, o vovô coruja de um trio de garotos diz que está saindo de um período em que repensou uma série de valores. Ele confessa que chegou a ficar com medo de virar um Johnny Mathis, cantor americano que há pelo menos três décadas só chega às lojas via coletâneas de melhores sucessos. “Se você é levado a viver apenas do próprio nome e continua só regravando suas músicas, acaba se transformando num cantor de Las Vegas. Eu estava começando a virar algo parecido, mas não quero acabar assim não.” Melhor para a música brasileira. Nas 12 faixas do novo disco é sensível o entusiasmo que tomou conta do cantor e compositor.

Roqueiro de carteirinha, Erasmo abre o disco de forma enérgica com Seu bicho de estimação, sobre o cara que, de tanto ser usado pela amada, resolve partir para outra. Mas o clima do álbum é mais sossegado, em razão das várias baladas românticas e dos rocks mais puxados para a indolência do country. “O Elvis Presley, uma das minhas influências, era um matutão, um caipira mesmo.” Em Vivendo de sonhos, contudo, Erasmo se mostra mais parecido com o John Lennon apaixonado de Woman ou Oh my love. A começar pela faixa-título Pra falar de amor, a tônica do disco são as coisas do coração. Na delicada balada Mais um na multidão, Erasmo contou com a voz e a pena de Marisa Monte, que junto com Carlinhos Brown cunhou rimas como Me cego/te enxergo/não vai passar/o amor não tarda, está.

Humor – A idéia da parceria surgiu no ano passado, depois de um show de Marisa. Como ela estava em turnê, a letra foi sendo feita através de ligações telefônicas, cada vez mais frequentes. “No auge da empolgação, eu, muito vivo, mandei essa: por que a gente não grava junto?”, conta Erasmo. Como em disco do Tremendão não pode faltar humor, ele ri de certos paradoxos nacionais em Quem vai ficar no gol?, que segue o deboche de Pega na mentira. Em versos como “É que o rádio só toca o que o povo quer escutar/ E o povo só compra o que ouviu o rádio tocar”, alfineta o nivelamento por baixo das FMs. “Graças a Deus, sou um cara muito bem-humorado.” Os especialistas no jabaculê é que não são.