Mais do que a trajetória de um detetive particular, às voltas com a descoberta de quem matou e depois escondeu o cadáver de um homem de 40 anos, o que prende a atenção, de maneira quase mórbida, em Adeus Hemingway, de Leonardo Padura Fuentes (Companhia das Letras, 176 págs., R$ 21), é o registro passo a passo da decadência do suspeito número 1: Ernest Hemingway, o autor de O velho e o mar. Cubano, Fuentes localiza a ficção no sítio real de Hemingway, em Havana, onde o americano morou e escreveu importante parcela de sua obra. São tantos os fatos, as datas e os depoimentos de personagens verídicos embaralhados que fica difícil separar o que é verdade ou ficção. Pouco interessa. Trata-se, acima de tudo, do retrato bem-acabado de um homem diante da velhice, e essa é a parte mais comovente do livro. No relato de Fuentes, Hemingway anotava, diariamente, seu peso na parede do banheiro, testemunhando o avanço com que o câncer consumia seu corpo. Diante do escritor envolvido pela tristeza surge o detetive Mário Conde, personagem criado por Fuentes em quatro romances policiais e que estava praticamente sepultado. É ele quem investiga o assassinato de um homem, enterrado no jardim do sítio de Hemingway. Fuentes confessa que transferiu para Conde a “relação encarniçada de amor e ódio” que mantinha em relação ao americano. Portanto, o detetive trabalha pensando no sinistro prazer que terá ao revelar ao mundo o assassino oculto atrás do mito da literatura. Mas, aos poucos, percebe que, por pior que seja, quem escreveu obras como Adeus às armas merece descansar em paz.