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Uma cena de paz e liberdade que só se torna possível a cada quatro
anos em jogos do Brasil. O fotógrafo Alexandre Vianna e o skatista
Carlos Tapareli ressignificam a arquitetura e a luz de São Paulo
em viaduto sobre a avenida 23 de Maio

Últimos dias da competição. Se tivemos que conviver ao longo de meses com prognósticos furados e palpites sem pé nem cabeça de todas as qualidades e procedências, agora é a vez dos “balanços da Copa”. Prepare-se para uma rajada de análises e filosofias de botequim tentando entender o que houve, incluindo mas não se limitando às teorias mais distintas sobre as razões da derrota mais vexatória já imposta ao futebol nacional. Palavras como “legado” por exemplo, serão usadas à exaustão e veremos de tudo nas tentativas de refletir sobre o certame.

No melhor estilo “se não pode vencê-los, junte-se a eles”, a escolha desta bela imagem para ilustrar a coluna num período tão especial da história contemporânea do Brasil, tem a ver com alguns pontos dignos de realce. O principal deles é que a surpresa da reversão absoluta da expectativa de um evento deprimente (deixando de lado aqui a performance do time brasileiro e a gangue que “gerencia” o futebol no País) e cheio de falhas e manifestações de revolta resultou em alguns efeitos sutis e interessantíssimos. Não é segredo que desde o ano passado atravessamos um período de pré-depressão no País. E não me refiro apenas à apatia absoluta da economia ou de outros quesitos ligados a dinheiro, geração e transferência de riquezas materiais. Falo da sensação coletiva de que por aqui eternamente andamos três passos adiante para em seguida recuar cinco. Mais até do que os estádios funcionando e os jogos espetaculares, a forma como as visitas foram envolvidas em abraços, festas, beijos e outras demonstrações de afeto inesquecíveis (não confundir com as bestas que vieram atrás do nefasto turismo sexual) promoveu em escala global aquilo que cada um de nós cansou de presenciar a vida inteira. Gente de fora se entregando apaixonada por um tipo de amorosidade gratuita e que não impõe condição, que realmente existe por aqui em doses e graus sem par.

E celebrar isso nada tem a ver com o tal ópio do povo de outrora. Minha impressão leva mais para a direção da seguinte imagem: alguém que se sente aprisionado num quarto escuro e sem saída de repente percebe um alçapão que é aberto no teto. Com esforço, ergue a cabeça e vê que o mundo é muito maior do que o tal quarto escuro. Ainda que saiba que em poucas semanas terá o alçapão trancado e voltará a lidar com a escuridão e o aperto, lembrar de que há algo maior, iluminado e mais alentador do lado de fora mudará de forma importante sua capacidade de sobreviver e de, com sorte, um dia encontrar uma nova saída. Mas, é bom lembrar sempre, independentemente do resultado dos jogos ou do êxito do evento, voltaremos logo a encarar nossos cantos sem luz e cheios de enigmas sem sentido e que não conseguimos solucionar. Como o da menina Monise, nascida com paralisia cerebral, que, algumas semanas atrás, sofrendo com obstrução intestinal, foi recusada em diferentes hospitais públicos e mandada de volta para casa onde morreu da doença Brasil. Como você, torci para que pudéssemos ser campeões, mas mais ainda para que consigamos derrubar as paredes do quartinho em que nos aprisionamos. E nossa derrota clamorosa diante da Alemanha talvez tenha servido para nos recolocar, de forma insuportavelmente dura e seca, cara a cara com todas as nossas inseguranças e incompetências. Antecipar a volta à caixa-preta pode servir para que nos sintamos mais motivados ainda a agir de forma inteligente e contundente, em especial através do voto, para romper de uma vez essas grades de ignorância, passividade e “mau caratismo”, para além do futebol.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente
Foto: Alexandre Vianna/ acervo TRIP