Bicampeão com a seleção Argentina, o ex-jogador fala da Copa no Brasil, da rivalidade entre os dois países e diz que o nível do futebol atual é baixo

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EM CASA
"É complicado jogar na posição de anfitrião. Existe muita pressão da torcida",
diz ele, que passou por isso em 1978

 

Único jogador presente nas duas conquistas do Mundial pela Argentina, Daniel Passarella se tornou técnico da seleção de seu país e quebrou o jejum de quatro décadas da azul e branco no Maracanã, em 1998, quando a alviceleste venceu a canarinho no estádio-símbolo do Brasil. Ele foi zagueiro e técnico da Argentina, treinador e presidente do River Plate e hoje, aos 61 anos, é também diretor da Fifa e disputado comentarista esportivo – avaliou o desempenho das seleções no Mundial no SporTV. Durante a realização da Copa do Mundo, Passarella se estabeleceu no Rio de Janeiro, onde disse ter se sentido em casa.

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"No jogo contra a Colômbia, David Luiz deu uma aula sobre o que
o povo brasileiro espera dos jogadores de sua seleção.
Ele e Neymar são os melhores jogadores do Brasil"

 

Na Fifa até 2015, o ex-jogador se esquivou de comentar o escândalo dos ingressos para a Copa: “Não poderia falar sobre isso porque não conheço o assunto. Estou vivendo no hotel, tendo acesso apenas ao meu celular e nem ele tem funcionado direito, então não pude nem ler os jornais, não estou sabendo direito do que aconteceu”. Atualmente, seu grande motivo de emoção é o neto mais novo, Ignácio, de 2 anos e meio, que, diz ele, já leva jeito com “la pelota” (a bola) e deve manter a tradição do futebol na família. 

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"Não creio que Blatter seja reeleito para presidir a Fifa.
Acredito que Michel Platini (na foto) vai ganhar"

ISTOÉ

 O que o sr. achou da organização da Copa do Mundo?

 
Daniel Passarella

 Pelo menos nas partidas a que assisti nos estádios ou na televisão, estava tudo certo. A segurança funcionou muito bem, as pessoas se divertiram em paz. O brasileiro sabe fazer a gente se sentir em casa e a torcida é muito bem-humorada. Ri muito de uma música que vocês cantavam: “Argentina, me diz como é ter duas Copas, uma a menos que o Pelé”.   

 
ISTOÉ

 É verdade que o sr. acha Pelé melhor do que Maradona?

 
Daniel Passarella

 Eu nunca disse isso. Eu falei que Pelé é mais inteligente e Maradona mais vistoso. Cada um que interprete como quiser.

 
ISTOÉ

 Argentina e Alemanha era a final dos seus sonhos?


 
Daniel Passarella

 Meu desejo era ter Argentina e Brasil na final para termos um jogo latino-americano decidindo uma Copa realizada na América do Sul. Mas, de qualquer forma, o Brasil chegou à semifinal, o que não deixa de ser um bom resultado para vocês.

 
ISTOÉ

 Mas o desempenho do Brasil em campo foi vergonhoso.

Daniel Passarella

 Me pareceu que o Brasil se equivocou na preparação contra a Alemanha e acabou perdendo por uma cifra categórica. Eles estavam desarticulados e saíram atacando demais, quando já se sabe que a Alemanha no contra-ataque é letal, simplesmente letal.

 
ISTOÉ

 Essa poderia ter sido a Copa de Neymar?

 
Daniel Passarella

 Neymar é o coração da equipe e é óbvio que ele preocupa muito as defesas dos adversários. Mas Thiago Silva também fez muita falta, muita mesmo.  Há de se pensar também na organização do time. Não se pode colocar todo o peso de uma equipe nas costas de um só jogador. Por exemplo, contra a Holanda, a Argentina não teve muitas situações de gol, mas teve uma defesa sólida, que foi muito bem durante toda a partida, e um goleiro sólido que foi iluminado durante os pênaltis. Messi, o grande nome, não fez sua melhor partida, foi o time que o apoiou. Já o Brasil, quando ficou sem Neymar e Thiago Silva, ficou muito mal.

 
ISTOÉ

 Se o sr. estivesse no lugar do Felipão, teria se demitido depois do jogo contra a Alemanha?


 
Daniel Passarella

 Bom, vou responder com uma história pessoal. Em 1994, eu tinha seis meses de contrato para completar no River Plate e eles queriam estender por mais dois anos. Muitos clubes tinham me procurado: Inter de Milão, Fiorentina, Roma… Mas eu disse ao presidente do River que o único time pelo qual eu os trocaria seria a seleção. Quando acabou o Mundial nos Estados Unidos, fui convocado e comecei um trabalho de quatro anos à frente da Argentina e finalmente fomos à Copa. Estávamos nas quartas de final, contra a Holanda, o jogo seguia empatado até que eles fizeram o segundo gol aos 44 minutos do segundo tempo. Quando a partida acabou fui à coletiva de imprensa dizer que não era mais o treinador da equipe.

 
ISTOÉ

 Diria que os zagueiros de hoje não são tão bons?

 
Daniel Passarella

 Não, não são… Mas é preciso entender que um zagueiro, como qualquer outro jogador, só é bom se tiver uma equipe que o apoie. Não adianta ser um craque se o resto do time está sempre errando, porque assim não se pode dar todo o potencial. A verdade é que o nível do futebol baixou muito se comparado a épocas passadas, em especial aos anos 1980. 

 
ISTOÉ

 A Argentina sempre formou bons zagueiros, mas nesta Copa esse não foi o caso. 

Daniel Passarella

 A Argentina tem um time bom, especialmente seu ataque. O Agüero faz bem à equipe; o esquema formado entre ele, Messi, Higuaín e Di María é forte. E Messi é, esse sim, do nível das estrelas dos anos 1980. Já bateu muitos recordes, é o melhor jogador dos clubes espanhóis, quatro vezes campeão da bola de ouro. Já coleciona muitas conquistas. Na Argentina, alguns o comparam ao Maradona, mas eu não gosto desse tipo de análise.

 
ISTOÉ

 O que acha da atual geração dos jogadores brasileiros?

 
Daniel Passarella

 No jogo contra a Colômbia, o David Luiz deu uma aula sobre o que o povo brasileiro espera dos jogadores de sua seleção. Ele mostrou uma personalidade que o coloca junto a Neymar, são os dois melhores jogadores do Brasil. 

ISTOÉ

 A parte psicológica afeta o resultado de um jogo?

 
Daniel Passarella

 Veja só uma coisa: a Colômbia vinha jogando muito bem, ganhando todas, mas contra o Brasil desapontou, não deu tudo que podia dar. Eles demoraram para acordar durante a partida. Quando já estavam com o jogo perdido, levando de dois a zero, foi como se tivessem soltado as amarras. Começaram a correr e aí complicaram as coisas para o Brasil, mas podiam ter feito isso antes. Por que não souberam aproveitar o tempo, esperaram tanto para se desenvolver em campo e reagir? Porque é muito difícil jogar uma Copa contra as potências do mundo futebolístico. Não é fácil encarar uma Alemanha, uma Argentina. Não é fácil jogar contra o Brasil ou contra a Itália, que lamentavelmente se foi cedo. 

 
ISTOÉ

 O que dizer das potências que voltaram cedo para casa?

 
Daniel Passarella

 A Espanha, por exemplo, veio aqui e não jogou tudo o que podia, mas, mesmo assim, era o último campeão do mundo. A França vinha jogando muito bem, muito bem mesmo, mas contra a Alemanha praticamente não entrou em campo. Não se pôde ver o mesmo vigor, a mesma vontade de vencer a batalha como se via antes. Por quê? Porque a Alemanha é uma coisa que assusta, é um bicho-papão. Mas também teve um fator local, o calor. De qualquer forma, esse fator se abateu sobre as duas equipes igualmente e, mesmo assim, a Alemanha conseguiu jogar bem. É um grande time, o alemão.

 
ISTOÉ

 O sr. já ganhou uma Copa em casa. Como é a relação com a torcida quando o país recebe o Mundial?

 
Daniel Passarella

 É muito complicado jogar na posição de anfitrião. Existe muita pressão da torcida, que quer ver sua seleção ser campeã. Ninguém quer coroar outro campeão em sua própria casa. Não é fácil aguentar a pressão, mas os jogadores são profissionais, faz parte do trabalho deles acostumar-se a isso. O Brasil, é claro, sofreu muita pressão  por ser o dono da casa, mas a Argentina praticamente foi local também por aqui. A nossa torcida lotou os estádios, eu via argentinos por todos os lados.

 
ISTOÉ

 O sr. já foi zagueiro, técnico e presidente de clube. Alguns atletas preferem não virar dirigentes achando que pode manchar sua imagem de ídolos. Acha que afetou a sua?

 
Daniel Passarella

 Se afetou, não foi negativamente. Tudo o que fiz, como profissional, o fiz convicto em meus atos e porque tinha gana. Seja como jogador, seja como treinador, presidente ou, até hoje, como comentarista. Ainda por cima, sou dirigente da Fifa até 2015. Não penso em me aposentar, não conseguiria ficar muito tempo sem trabalhar. Quando fazemos muitas coisas diferentes, em algumas a gente se sai bem, em outras somos regulares e há aquelas em que nos saímos mal, mas o importante é fazê-las. Quem não faz nada não se equivoca, mas também não ganha nada. A maioria dos jogadores famosos não se dá bem em todas as posições, não sou exceção. Creio que fui melhor jogador do que treinador ou presidente.

 
ISTOÉ

 Acredita que Joseph Blatter vai ganhar as eleições da Fifa no ano que vem?

 
Daniel Passarella

 Não creio que Blatter será reeleito para presidir a Fifa. Penso que Michel Platini vai ganhar. É o que me parece. Se for para apostar em algum candidato, creio que é o Platini.

 
ISTOÉ

 O resultado da Copa pode influenciar a política do país?

 
Daniel Passarella

 Não acredito que o resultado da Copa mude trajetórias políticas, são coisas diferentes. Tem muita gente que ficou feliz com a Copa, mas também tem muita gente que não ficou. 

 
ISTOÉ

 Qual é a sua opinião sobre a atual situação política da Argentina?

 
Daniel Passarella

 O que vejo nos governos, tanto da Argentina como do Brasil, é que há um enfrentamento entre o governo e um monopólio de poder. Há uma verdadeira guerra na Argentina, parece que nunca vai reinar a união e a cordialidade, nunca se chegará a um acordo. E isso é prejudicial para todos nós porque atrapalha as decisões a serem tomadas em prol do país. Há um governo com um tipo de ideia e um grupo de oposição, os dois perdem objetividade por essa guerra, gastam tempo demais se criticando. O certo seria, quando a pessoa que está de um lado falar, entender que o lado oposto não é de todo mau. Chega um momento em que a população se cansa de todos os dois. E aqui no Brasil, pelo menos visto por quem está de fora, parece que acontece a mesma coisa. Toda a América do Sul está com esse quadro político, na verdade.


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