Nem os homens que estavam na grande mesquita de Mossul, na sexta-feira 4, poderiam dizer quem era o clérigo de barba longa e vestido com túnica e turbante pretos se ele não tivesse se autoproclamado “o novo califa Ibrahim, emir dos crentes no estado islâmico.” Conhecido como Abu Bakr al-Baghdadi, líder do movimento extremista Estado Islâmico do Iraque e Levante (EIIL), agora rebatizado de Estado Islâmico, ele oficializava ali a criação de um califado numa faixa de terra que parte da cidade de Raqqa, no norte da Síria, e vai até Mossul, a segunda maior cidade do Iraque. No vídeo da pregação, que circulou na internet na semana passada, al-Baghdadi pedia: “Me obedeçam tanto quanto eu obedeço a Deus.” Hoje ele é considerado o homem mais perigoso, procurado e influente do Oriente Médio – o que, para muitos, faz dele o herdeiro político de Osama Bin Laden na ideologia jihadista.

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O HOMEM MAIS PROCURADO DO ORIENTE MÉDIO
Al-Baghdadi discursa, na sexta-feira 4, numa mesquita em Mossul.
Foi sua primeira aparição pública. Em 2005, ele chegou a ser
declarado morto pelos EUA, em um ataque aéreo

Ao contrário de Bin Laden, no entanto, al-Baghdadi é um homem discreto. Há relatos de que, ao se encontrar com militantes, ele usava uma máscara, o que lhe rendeu o apelido de “xeque invisível.” Até a divulgação do vídeo, havia apenas duas fotos conhecidas do novo califa. “Al-Baghdadi é misterioso e o vídeo mostrou que, diferentemente de Bin Laden, ele não tem muita experiência em discursos públicos,” disse à ISTOÉ Patrick Skinner, diretor de Projetos Especiais do Soufan Group, de Nova York, e ex-agente da CIA. “Parecia um mau pregador.” Acredita-se, porém, que essa era a ocupação do líder antes da invasão do Exército americano ao Iraque, em 2003. Então com 32 anos, al-Baghdadi, que seria doutor em estudos islâmicos, teria se radicalizado e fundado um grupo armado. Em outubro de 2005, ele chegou a ser declarado morto pelos EUA, em um ataque aéreo. Mesmo assim, a milícia funcionava sem muita notoriedade até ele ser preso em Camp Bucca, cadeia mantida pelos americanos no sul do Iraque, três anos mais tarde.

A irrelevância do grupo era tanta que ele era tido como um prisioneiro de baixa periculosidade. O período, contudo, foi fundamental para o envolvimento de al-Baghdadi na causa islâmica. “Na cadeia, ele teve contato com terroristas da Al Qaeda e, ao ser libertado, voltou ainda mais forte para as atividades extremistas,” disse à ISTOÉ Zainab Al-Suwaij, diretora da ONG Congresso Americano Islâmico, de Washington. Em 2011, al-Baghdadi entrou para a lista de terroristas do governo americano, que oferece uma recompensa de US$ 10 milhões a quem der informações que levem à sua morte ou captura. Naquele ano, segundo Zainab, ele havia jurado vingança à morte de Bin Laden. Mas foi Ayman al-Zawahiri quem sucedeu Bin Laden no comando da rede terrorista.

Embora o rompimento com a Al Qaeda (para quem o EIIL era “violento demais”), em fevereiro, tenha deixado clara a disputa de poder com al-Zawahiri, al-Baghdadi é considerado hoje mais poderoso que o rival. “Há um choque de gerações,” afirma Pa­trick Skinner. “Os EUA estiveram muito focados na Al Qaeda na última década e a organização não conseguiu fazer nada relevante.” O EIIL, em contrapartida, se fortaleceu com a guerra civil na Síria, atraindo militantes e conquistando espaço no vácuo de poder. Agora al-Baghdadi não só controla um território considerável, que desafia o governo central do Iraque, como também segue resistente numa ofensiva até a capital Bagdá. Estima-se que, além de armas e veículos militares fornecidos pelos EUA, a tomada de diversas cidades iraquianas, inclusive do banco central de Mossul, rendeu aos insurgentes quase US$ 500 milhões.

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VIOLÊNCIA EXTREMA
Grupo de al-Baghdadi é conhecido por sua brutalidade e por ter
executado e crucificado opositores na Síria

Para ganhar projeção, al-Baghdadi, que vive cercado de conselheiros, lançou mão de práticas de extrema violência. Na sua terra, prevalece uma interpretação radical da lei islâmica, a sharia, em que os inimigos são decapitados, e os ladrões e adúlteros, açoitados. Num califado, o líder tem autoridade política e religiosa. Com a morte do profeta Maomé, de quem al-Baghdadi diz ser descendente, os chefes dos impérios muçulmanos posteriores eram considerados seus sucessores e, por isso, eram chamados de califas. Dentro da ideia de califado está também a ambição por uma unidade muçulmana. Mas não é isso que o novo califado tem promovido. Entre os movimentos sunitas que se levantaram contra o governo iraquiano, comandado pelo xiita Nouri al-Maliki, nenhum apoiou publicamente o Estado Islâmico declarado por al-Baghdadi. “Um grupo simplesmente anunciar um califado não é suficiente para se estabelecer um califado”, disse, em carta aberta, o líder religioso egípcio Yusuf al-Qaradawi. O apoio entre a população sunita, que tampouco respalda al-Maliki, é limitado. Assim que os extremistas assumiram o controle de Mossul, por exemplo, cerca de 500 mil pessoas deixaram suas casas.

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Fotos: AFP PHOTO / HO / AL-FURQAN MEDIA; Karim Sahib/AFP