Na reta final da Copa no Brasil o mundo tomou conhecimento de forma absolutamente cristalina de duas faces opostas que compõem uma mesma entidade, a Fifa, poderosa federação que comanda o bilionário futebol em todo o planeta. O lado bom da entidade diz respeito à sua capacidade de promover o maior evento esportivo da Terra. Ao longo dos anos, a Fifa vem se superando na arte de organizar e colocar em prática uma cultura própria para o desenvolvimento de cada detalhe de um campeonato que mobiliza milhões de pessoas. No Brasil, o chamado “padrão Fifa”, que durante meses virou alvo de protestos, acabou surpreendo e, tomara, se tornará um dos legados do evento. Mas, se do ponto de vista organizacional a entidade encerra a Copa com saldo positivo, a mesma Fifa deixa o País com uma marca extremamente negativa no que diz respeito à maneira pouco transparente com que é gerida. E coube à polícia brasileira a investigação de algo que há quatro Copas vem sendo tratado apenas como desconfiança: a corrupção na venda de ingressos para os jogos dos mundiais.
Nas últimas semanas, a Polícia Civil do Rio de Janeiro debelou um esquema internacional de venda ilegal de bilhetes que se instalou nas barbas dos dirigentes da Fifa e prendeu Raymond Whelan, presidente da empresa que detém exclusividade na venda de pacotes da entidade. Ele é apontado como o elo entre a Fifa e a quadrilha acusada de desviar e revender entradas do torneio. A trama ganhou ares cinematográficos quando Whelan foi solto por um alvará concedido pela Justiça brasileira, continuou trabalhando normalmente e, na noite da quinta-feira 10, sumiu do Copacabana Palace, onde estava hospedado, e passou a ser considerado foragido pelas autoridades.

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APOTEOSE
Torcida brasileira em êxtase na partida de abertura da Copa,
no Itaquerão: estádios funcionaram bem

O escândalo do câmbio negro respingou na Fifa porque envolve uma das principais parcerias comerciais da entidade, mas outros casos atingiram a organização ainda mais profundamente. Em março, foi revelado que o FBI apontou pagamento de quase R$ 3 milhões ao ex-vice-presidente da Fifa Jack Warner por uma empresa qatariana que promoveu a candidatura vitoriosa do país a sede da Copa 2022. Ele era um dos membros da entidade com direito a voto. No ano passado, a Fifa admitiu que o brasileiro João Havelange recebeu propina no período em que era presidente da organização. Ele recebeu subornos da empresa de marketing ISL em troca de benefícios em negociações comerciais. Como Havelange renunciou ao seu cargo na entidade dias antes da conclusão da investigação, ele escapou de punição interna.

Não se pode negar que a Fifa organizou um belo espetáculo. Como uma organização execrada de forma praticamente unânime por quem entende de futebol pôde realizar um evento impecável? O acesso aos estádios aconteceu de forma tranquila, os banheiros foram elogiados e os funcionários desempenharam seu trabalho eficientemente. Até pontos inicialmente criticados, como o excesso de filas nas lanchonetes e as falhas de segurança, que resultaram na invasão dos chilenos no Maracanã, foram depois consertados. Para o jogador Ruy Cabeção, membro do Bom Senso FC – entidade criada por atletas para melhorar as condições do futebol brasileiro –, os escândalos de corrupção ajudam a explicar a capacidade de organização. “Com dinheiro em caixa você pode montar uma infraestrutura de primeira”, diz.

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Especialistas apontam que o ponto negativo da gestão “padrão Fifa” é o aumento dos preços dos ingressos. A cara do Brasil no torneio ficou a cargo das Fan Fests, eventos que reuniram torcedores ricos e pobres, mas que também são alvo de críticas. “Como o comércio é limitado aos produtos oficiais, criou-se uma ilha num espaço público para os patrocinadores ganharem dinheiro”, diz o jornalista Luiz Carlos Azenha, autor de um livro sobre negociatas do mundo da bola. Esse modelo de negócios está empurrando, cada vez mais, o evento para países mais autoritários – como a Rússia e o Qatar.

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Para combater a corrupção na Fifa, especialistas recomendam atenção pública permanente. “Denúncias da imprensa são importantes porque os patrocinadores da Fifa não querem associar seu nome à podridão”, afirma Azenha. Não se pode esquecer que os mandatários são escolhidos pelas confederações locais. “Vamos cuidar primeiro do nosso quintal.” diz Bebeto de Freitas, ex-presidente do Botafogo. Para o jornalista português Luís Aguilar, autor de um livro sobre a entidade, “quando o público perceber que seu amor está sendo maltratado, vai exigir mais transparência”. “A Fifa não é o futebol.”

Fotos: Ricardo Stuckert/ CBF; AP Photo/Moises Castillo


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