Tem gente esquisita no mundo. O agente secreto Ethan Hunt, por exemplo, durante as férias adora ficar dependurado em paredões, sem nenhum apetrecho de alpinista, a centenas de metros de altura, contemplando o abismo. É assim que Hunt – papel do cada vez mais surpreendente Tom Cruise – aparece numa das primeiras cenas de M:i – 2 missão: impossível – 2 (Mission: impossible 2, Estados Unidos, 2000), cartaz nacional na sexta-feira 23. Logo em seguida, ele receberá uma mensagem o informando de sua próxima missão, ditada por Anthony Hopkins em participação especial. Esta é a segunda vez que Cruise interpreta o semi-inocente agente nascido no seriado televisivo, cuja estréia nos Estados Unidos aconteceu em 1966. À época, as histórias criadas por Bruce Geller, entre outras peculiaridades traziam, como chamariz armadilhas teatrais, elaboradas com a deliciosa intenção de confundir as pessoas. Além das tramas intrincadas, as ordens eram executadas por uma equipe, nunca por um herói individual – característica curiosa, num período em que James Bond ditava as regras, vivido pelo escocês Sean Connery.

Trinta anos mais tarde, quando Cruise, na pele de protagonista e produtor, conseguiu levar a série às telas, os parâmetros de Geller acabaram sendo alterados. Mas ainda mantinham esboçadas encenações mirabolantes no filme dirigido por Brian De Palma. Um equívoco maior, contudo, distanciava a fita da ação nervosa do seriado de tevê. Os companheiros de Hunt iam sendo eliminados um a um, perdendo assim a característica principal do trabalho em grupo da série televisiva. Na sequência que estreou em fim de maio nos Estados Unidos – com uma bilheteria de US$ 70 milhões no primeiro final de semana –, Cruise, que repete a condição de produtor, radicalizou ainda mais. Além das ações solitárias, fez com que seu personagem se apaixonasse pela bela Nyah Hall – interpretada pela atriz Thandie Newton, nascida em Zâmbia –, uma ladra sofisticada como uma Grace Kelly étnica e atlética.

Foto:Jasin Boland/Paramount/
Divulgação
Thandie e Scott: heroína étnica como chamariz para capturar o antigo namorado vilão

Nada original – Mas, como sempre, há um porém. Nyah tem no currículo um caso complicado com o vilão Sean Ambrose (Dougray Scott), ex-agente e velho conhecido de Hunt. Em outras palavras, nas mãos de Cruise e do diretor John Woo, Missão: impossível – 2 perdeu a originalidade e credibilidade, já que nas histórias originais nunca houve romances. Algo decepcionante, pois o ator se encontra no auge da carreira e Woo, um chinês de Hong Kong, é considerado o homem que fez Hollywood repensar os filmes de aventura graças a trabalhos espetaculares como O alvo, Face a face e A última ameaça.

Num movimento inédito, o roteirista Robert Towne – do cultuado Chinatown, de Roman Polanski – começou a escrever a história de Missão: impossível – 2 com algumas cenas de ação já em pré-produção. São momentos de grande tensão, só que ligados por enormes sequências nas quais não acontece absolutamente nada. Erro no mínimo constrangedor para um filme orçado em US$ 125 milhões. Em enredos do gênero, geralmente também há uma ameaça em escala mundial. Até a metade do filme, porém, não se sabe o que abalará a humanidade. Lá pelas tantas, fica-se sabendo que o perigo iminente é um vírus mutante da gripe. Muito pouco para o espectador enrijecer os músculos. No entanto, quando na tela explodem as sequências mais excitantes, há momentos de recompensa diante da química Woo-Cruise. Basta citar a abertura, quando o agora mais musculoso Tom Cruise briga contra o despenhadeiro. Ou durante perseguições alucinadas, com tiroteios em câmera lenta, minuciosamente coreografados, dando uma ótima oportunidade para o marido de Nicole Kidman mostrar sua ótima forma física.
Os fãs de John Woo também são brindados com dois de seus truques mais recorrentes: troca de identidade mediante a utilização de máscaras de borracha e o enfrentamento olho no olho entre herói e vilão. No caso, em vez de armas, o vilão Ambrose e Hunt se atiram um contra o outro em motos Triumph, à toda velocidade. Todo este esforço é justificável dentro de um filme que tem como missão impossível suplantar os mais de US$ 400 milhões arrecadados pelo primeiro episódio. Seja como for, Tom Cruise já acena com a possibilidade de um terceiro episódio, assim que terminar o filme de ficção científica Minority report, que Steven Spielberg começa a rodar em 2001. Espera-se que ele recupere o bom senso e devolva o charme da série televisiva, até hoje insuplantável.


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