O general reformado Lino César Oviedo já está com um coturno no Paraguai. Preso em um apartamento em Foz do Iguaçu (PR) na tarde de domingo 11 por agentes da Polícia Federal brasileira e removido para uma cela da Superintendência da PF em Brasília, o ex-militar paraguaio deve pegar o caminho de volta para o seu país, desta vez para ser julgado como mandante do assassinato do vice-presidente Luís María Argaña, entre outros crimes. Com o cabelo mais comprido, um bigode cultivado no exílio e uma peruca sobressalente, Oviedo não reagiu, mesmo tendo em seu poder um revólver calibre 38 – o que leva muitos oviedistas a garantirem que ele tramou sua prisão para ficar “protegido” pela polícia brasileira. Refugiado do lado brasileiro da fronteira, montou sua estratégia para não voltar ao Paraguai – a não ser como presidente, sonho que ainda acalenta. Para evitar sua extradição, o que significaria cair numa cela do regime do presidente Luís González Macchi, Oviedo tem pronto seu pedido de asilo político no Brasil. Ele só esqueceu de combinar o plano com o adversário.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve conceder a extradição, como quer o governo paraguaio, com o apoio já declarado do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. E o Ministério da Justiça decidiu que vai ignorar solenemente qualquer pedido de asilo vindo de Oviedo. “Não tem sentido falar em asilo. Cabe ao Supremo, sim, julgar o pedido de extradição”, disse a ISTOÉ o ministro José Gregori, da Justiça. “Não há perseguição política a Oviedo. Sua presença no Paraguai é indispensável para que possamos determinar sua responsabilidade. Ele vai ser julgado com imparcialidade e terá todo o direito de defesa. O que se quer é fazer justiça”, disse o embaixador do Paraguai no Brasil, Carlos Alberto González, um ex-preso político da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989).

No STF, a extradição de Oviedo é dada como certa. Foi o próprio Supremo que expediu, a pedido de Macchi, o mandado de prisão preventiva do ex-militar. Oviedo, no entanto, quer trocar o rótulo de golpista pelo carimbo de perseguido político. Ele segue o caminho das pedras deixado por outros dois paraguaios ilustres asilados no Brasil: Stroessner, que mora em Brasília, e o ex-presidente Raúl Cubas, que deixou o governo ameaçado por um impeachment e hoje vive em um balneário em Santa Catarina. Curiosamente, Oviedo foi responsável pela queda dos dois: ajudou a derrubar seu inimigo Stroessner e depois complicou a vida do aliado Cubas, com quem teria conspirado para assassinar, em março do ano passado, Luís María Argaña. O crime levou à queda de Cubas e ao início do exílio forçado de Oviedo, que começou na Argentina de Carlos Menem, passou pelo próprio Paraguai e terminou do lado brasileiro da fronteira.

Dois pesos, duas medidas – “Se Cubas recebeu asilo, por que Oviedo não?”, pergunta Carlos Galeano Perrone, seu advogado no Paraguai e secretário-geral da União de Colorados Éticos (Unace). Perrone coordena a defesa de Oviedo junto com a mulher do ex-general, Raquel Marín, que está em Brasília. Enquanto o STF aguarda para a próxima semana o pedido formal de extradição do governo paraguaio, num processo que pode levar até 90 dias, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara ajuda a dar um empurrãozinho para que Oviedo cumpra sua pena no Paraguai. “Nem consideramos a hipótese de asilo político. Seria uma desmoralização internacional”, afirmou o presidente da comissão, deputado Marcos Rolim (PT-RS). A comissão, que esteve no Paraguai no início do mês para levantar dados sobre a Operação Condor – o plano de repressão que uniu as ditaduras do Cone Sul nos anos 70 e 80 –, também voltou suas baterias para Stroessner. Rolim pediu à Procuradoria Geral da República que abra processo penal contra o ex-ditador pelos crimes de genocídio, sequestro e tortura. Na terça-feira 13, o encarregado de negócios dos EUA em Assunção, Stephen McFarland, colocou mais lenha na fogueira: afirmou que há indícios de envolvimento de Oviedo com o narcotráfico e outras atividades ilícitas. A CPI do Narcotráfico também quer ouvir Oviedo e saber de sua suposta ligação com o traficante carioca Fernandinho Beira-Mar, foragido no Paraguai. “As provas, por favor”, ironizou Raquel Marín.

Dois escritórios foram chamados para defender o ex-general no Brasil. Um dos escritórios, de Luiz Eduardo Roriz e Roque Saraiva de Oliveira, primo do general, cuidará de evitar a extradição. O outro, formado por três militares brasileiros reformados – Inemar Penna Marinno, Joaquim Alves Bastos e Adahil Pereira da Silva –, trata de garantir boa-vida ao ex-general, como direito a celular, a visitas e a uma cela especial – todos pedidos negados, até o momento. Preso em uma cela comum na PF, com três traficantes, Oviedo quer ser transferido para o 3º Batalhão da PM do DF. O argumento do trio de advogados na defesa de Oviedo é insólito. Eles dizem que golpes são parte da cultura paraguaia e, por isso mesmo, um golpista não pode ser comparado a um criminoso. “Ele tem o perfil do asilado político”, diz o advogado Adahil. “Nosso governo tem de resistir às pressões do governo paraguaio”, concorda outro advogado, Benedito José Barreto Fonseca, que cuidou da defesa de Stroessner.

Curiosamente, o militar paraguaio não tem boa fama entre oficiais brasileiros que serviram em Assunção. “Oviedo é um elemento nefasto não só à democracia paraguaia como também ao Brasil”, disse a ISTOÉ o coronel Luiz Henrique Pires, que foi do Estado-Maior do Exército. “A sociedade brasileira rejeita o golpismo e adotar uma atitude generosa com os golpistas do Paraguai será, no mínimo, uma atitude contraditória”, diz o oficial.

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