A indústria do plástico está de olho na sua cerveja. Depois de conquistar com sucesso uma grande fatia do mercado de embalagens para refrigerantes, os fabricantes das chamadas resinas PET, matéria-prima das garrafas plásticas, brigam agora para invadir a indústria da loira gelada.

A briga promete ser dura. Os fabricantes de PET, sigla para polietileno tereftálico, ganharam o primeiro round. O maior desafio da indústria do plástico era desenvolver uma garrafa que preservasse o produto, que é bastante sensível ao ambiente e ao movimento. As garrafas PET normais são permeáveis a pequenas quantidades de gás carbônico e oxigênio, algo que não prejudica a vida útil do refrigerante, por exemplo, mas pode ser fatal para a cerveja. O oxigênio que entra na garrafa oxida o produto e faz com que os vegetais que o compõem – lúpulo e cevada – comecem o processo de fotossíntese, que consome gás carbônico. O gás é essencial para a preservação do líquido e garantia de sua vida útil. Resultado: a cerveja fica choca, ou seja, com gosto azedo e imprestável para o consumo.
A Rhodia-Ster, divisão de resinas da Rhodia do Brasil, tem três maneiras de resolver o problema, desenvolvidas por uma equipe de 15 profissionais, todos amantes de cerveja. A primeira envolve fazer uma espécie de “sanduíche”, ou seja, colocar entre o PET uma camada de um tipo de plástico que barre o oxigênio e o gás carbônico. A segunda saída consiste em depositar carbono nas paredes internas ou externas da garrafa para reduzir a permeabilidade. No terceiro processo, a garrafa é revestida por uma fina camada de filme plástico impermeável. “Podemos usar qualquer uma dessas alternativas”, diz Leandro Guimarães, gerente de marketing e planejamento da empresa.
O segundo round da luta é mais difícil de ser vencido: mostrar para as cervejarias que vale a pena adotar o produto. E o que é mais importante: provar que as garrafas plásticas para cerveja são economicamente viáveis. Segundo Guimarães, o material é cerca de 20% mais barato que a garrafa de vidro ou lata – algo em que os fabricantes de cerveja não acreditam muito ainda.

Permeável – “Nosso sistema está desenvolvido para ser competitivo em custos”, diz Álvaro Pereira, diretor da divisão de embalagens da Tetra Pak no Brasil. A empresa desenvolveu dois sistemas para driblar o problema da permeabilidade ao oxigênio. Com a tecnologia Glaskin, a garrafa plástica tem seu interior revestido por uma fina camada de óxido de sílica, material que dá à embalagem características do vidro. Já o processo Sealica consiste em cobrir o PET por uma camada de resina epóxi, que também garante a impermeabilidade à garrafa.

“Essa embalagem pode levar a um crescimento do mercado de cerveja”, aposta Pereira. “As indústrias poderão adotar formatos diferenciados de garrafas para atender necessidades específicas de mercado”, diz o executivo. A cervejaria alemã Bitburger aproveitou bem esse diferencial e lançou a Bitburger 38 Bigneck, uma cerveja em garrafa PET com bocal de 38 milímetros, cerca de 10 milímetros mais largo que as garrafas normais.
Outro exemplo das vantagens do PET foi mostrado pela cervejaria americana Miller. A empresa tem usado o material em garrafas de cerveja consumidas em grandes eventos, como o Super Bowl, a grande final do campeonato de futebol americano. “O PET é ideal para ser usado em grandes aglomerações humanas”, diz Pereira. A também americana Budweiser, a holandesa Heineken, a dinamarquesa Carlsberg e a sueca Spendrups também já lançaram cervejas em garrafas plásticas. “É certo que até o Carnaval já se tenha cerveja em PET no Brasil”, anima-se Guimarães, da Rhodia-Ster. Ele espera que o plástico conquiste 10% do mercado de embalagens para cerveja no médio prazo.

Se depender do discurso da indústria cervejeira, a história será outra. “Estatisticamente, ainda é desprezível a presença de embalagens plásticas para cerveja no mundo”, diz Marcos Mesquita, superintendente do Sindicerv, o sindicato dos fabricantes de cerveja. “A tecnologia disponível no momento encarece muito o produto. Isso é um problema para o mercado brasileiro”, diz. A AmBev, que produz a Antarctica, a Brahma e a Skol, entre outras, e o concorrente Kaiser afirmam estar acompanhando os movimentos da indústria do plástico, mas negam ter planos para lançar cerveja em PET.
Outro fator que assusta as cervejarias é a legislação ambiental. Apesar de todos os fabricantes garantirem que suas garrafas PET podem ser recicladas, a realidade pode não ser bem essa. É difícil garantir que não haverá confusão com a grande diversidade de tecnologias – e materiais – que podem ser adotados para viabilizar o envase de cerveja em garrafas plásticas. “Os materiais terão de ser separados, e alguns deles não se separam mecanicamente”, diz Pereira, da Tetra Pak. “Mas já temos tecnologia de reciclagem para nossos processos”, garante. Segundo Mesquita, do Sindicerv, a tendência mundial é o encarecimento das embalagens descartáveis, seja por meio de impostos ou pela obrigação que a empresa tem de recolher os resíduos que gera.

Consumidor – O último – e talvez mais difícil – round dessa briga será disputado em prateleiras de supermercado, balcões e mesas de bar. A tarefa vai ser convencer o consumidor, exímio juiz quando o assunto é cerveja, a abandonar as tradicionais garrafas de 600 ml ou as latinhas, que levam às gargantas dos brasileiros cerca de 8 bilhões de litros de loira gelada ao ano. Mas isso só será possível quando (e se) o produto chegar ao mercado.