O mês de setembro foi particularmente difícil para o mercado financeiro mundial. Um grande número de grandes instituições financeiras dos EUA e da Europa (bancos, seguradoras, etc.) teve que ser nacionalizado ou socorrido pelos respectivos governos para evitar uma falência generalizada. Na Irlanda e na Alemanha, os governos decidiram garantir todos os depósitos nos bancos. Vários fatores contribuíram para gerar a crise, mas dois foram particularmente importantes. O primeiro foi um erro de regulação. Em 1995, as duas maiores financiadoras de hipotecas americanas, Fannie Mae e Freddie Mac (empresas privadas, com garantia do Estado), foram incentivadas pelo governo a reduzir as garantias para a concessão de crédito. O objetivo era facilitar o acesso de consumidores de baixa renda à compra de casa própria. Como resultado, a porcentagem de empréstimos nesta categoria mais arriscada, com baixa garantia, passou de 8% para 20% do total de créditos hipotecários. Com a queda dos preços dos imóveis e o aumento da inadimplência destas hipotecas (subprime), os preços destes ativos despencaram, gerando a crise.
O segundo fator foram as excessivamente baixas taxas de juros reais vigentes nos países desenvolvidos, principalmente nos EUA, nos últimos dez anos. Com taxas de juros reais próximas a zero ou negativas, foi possível aos consumidores aumentar seu endividamento, ao mesmo tempo que os investidores (inclusive os bancos) buscavam ativos cada vez mais arriscados como forma de aumentar seus ganhos. Não existe regulação suficientemente forte capaz de evitar endividamento e risco excessivos, se os bancos centrais adotam uma política monetária frouxa.
Quais as conseqüências da crise para o Brasil? Em primeiro lugar, é importante observar que o sistema financeiro brasileiro é bastante sólido, se comparado ao dos países desenvolvidos. Dificilmente veremos no Brasil a falência de um grande banco. Porém, o contágio virá pelo setor real da economia. O primeiro efeito é uma redução da oferta de crédito e pressão sobre as taxas de juros de mercado. O aumento dos juros vai reduzir a taxa de investimento e o crescimento do consumo no País. A redução dos investimentos se fará sentir também devido ao aumento da incerteza quanto ao comportamento da economia. Tudo isso irá gerar forte redução da taxa de crescimento do PIB brasileiro.
Por outro lado, o menor crescimento mundial vai reduzir as exportações brasileiras e os preços dos produtos exportados pelo País. Com menores exportações, a taxa de crescimento das importações também terá de diminuir, para evitar um aumento insustentável no déficit em conta corrente do balanço de pagamentos. Com a crise internacional, financiar déficits em conta corrente se tornará mais difícil. E, para reduzir a taxa de crescimento das importações, a economia terá que crescer menos. Caso contrário, a pressão sobre o câmbio vai gerar aumento da taxa de inflação e forçar o BC a aumentar os juros. A crise é grave. Seus efeitos se farão sentir ainda por muito tempo na economia mundial. Dificilmente um crescimento do produto acima de 3% em 2009 será sustentável para o Brasil. A grande incógnita é a duração da crise. E, se ela se prolongar por vários anos, o efeito sobre o Brasil irá certamente se agravar. Não parece um tsunami, mas, certamente, será uma forte ressaca.

José Márcio Camargo é professor do departamento de economia da PUC/Rio e economista da Opus Gestão de Recursos


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias